Em 16 de abril de 2003, quatro jovens foram executados à queima roupa por policiais do 6º Batalhão da Polícia Militar na favela do Borel, zona norte do Rio de Janeiro. Os policiais alegaram legítima defesa e o caso foi registrado inicialmente como “auto de resistência”. Testemunhas, familiares das vítimas, e evidências forenses indicavam que se tratavam de execuções extrajudiciais. As investigações concluíram que os quatro jovens foram executados, que os policiais não agiram em legítima defesa e identificou os policiais responsáveis. No entanto, quinze anos depois, ninguém foi responsabilizado.
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A chacina do Borel ganhou repercussão internacional. Em 2003, a relatora especial da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Asma Jahangir, esteve na favela para ouvir os relatos dos parentes das vítimas e incluiu o caso no seu relatório sobre sua missão ao Brasil. Ainda no ano de 2003, a secretária-geral da Anistia Internacional, Irene Khan, também visitou o Borel para conversar com os parentes das vítimas.
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A chacina do Borel não é uma exceção. Ela faz parte do grave quadro de alta letalidade nas operações policiais no Rio de Janeiro. Entre 2003 e 2017, foram mais de 13.300 pessoas morta pela polícia em serviço no estado do Rio de Janeiro. Os números são subnotificados e, assim, a realidade é ainda mais grave. Os policiais sempre alegam que agiram em “legítima defesa”, o sistema de justiça criminal aceita como verdade a declaração dos policiais envolvidos e os casos raramente são devidamente investigados. A impunidade nos casos de homicídios pela polícia alimenta o ciclo de violência policial pois passa uma mensagem aos policiais de que agir na ilegalidade é algo aceitável e tolerado pelas autoridades do Estado e pelo sistema de justiça como um todo.
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Ato de familiares das vítimas (Foto: Renata Neder)

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Nestes quinze anos, apesar de algumas medidas pontuais terem sido adotadas para tentar reduzir a letalidade em operações policiais, nenhuma mudança estrutural na polícia e na política de segurança pública foi feita e, assim, a prática de execuções extrajudiciais e uso desnecessário da força letal permanece um padrão nas favelas e periferias da cidade.
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Em 2007, o relator especial da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais Philip Alston visitou novamente o Brasil. O quadro documentado em sua visita pouco havia mudado em relação àquele documentado em 2003. As recomendações feitas por ambos os relatores ao Estado brasileiro não foram adotadas. Em todos esses anos, inúmeras organizações de direitos humanos documentaram e denunciaram através de documentos públicos o padrão de atuação violenta e ilegal da polícia no Rio de Janeiro. As autoridades estaduais e nacionais têm plena consciência da realidade e nada, ou muito pouco, fizeram para acabar com a letalidade da polícia no país.
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A Anistia Internacional se posiciona ao lado das famílias das vítimas da polícia, ao lado dos jovens negros e moradores de favelas e periferias que sofrem diariamente com a brutalidade da polícia, e seguirá denunciando as execuções extrajudiciais e cobrando justiça.
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Hoje, lembramos aqui os jovens do Borel executados na chacina de 2003: Carlos Alberto da Silva Ferreira (21 anos, pintor e pedreiro); Carlos Magno de Oliveira Nascimento (18 anos, estudante); Everson Gonçalves Silote (26 anos, taxista); Thiago da Costa Correia da Silva (19 anos, mecânico).