A Anistia Internacional entrega hoje (05/06), em Brasília, milhares de assinaturas coletadas na primeira etapa da campanha Brasil, chega de bola fora!, lançada pela organização em quase trinta países chamando a atenção para o risco de restrição aos direitos à liberdade de expressão e manifestação pacífica no país durante a Copa do Mundo. Mais de 87 mil assinaturas serão entregues, destinadas à presidenta Dilma Rousseff e ao presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros.

“Esta campanha mostra que o mundo está de olho no Brasil durante a Copa do Mundo e não apenas nos gramados. O país tem a oportunidade de mostrar que respeita os direitos à liberdade de expressão e manifestação pacífica em qualquer situação, mesmo recebendo um grande evento esportivo internacional. Esperamos que as forças de segurança estejam preparadas para assegurar estes direitos”, afirmou Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil.

Junto com as assinaturas, a Anistia entrega às autoridades o documento “’Eles usam uma estratégia de medo’: Proteção do direito ao protesto no Brasil” , onde apresenta suas preocupações relativas ao uso excessivo da força por parte da polícia; as prisões arbitrárias e a má aplicação das leis existentes; novas propostas de legislação e a falta de mecanismos de responsabilização das forças de segurança efetivos e independentes. A petição continuará coletando assinaturas para a campanha e uma segunda leva de assinaturas será encaminhada às autoridades brasileiras após a Copa.

“Pesquisamos casos de manifestantes agredidos e/ou detidos nos protestos que começaram no ano passado, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Há evidências de abusos cometidos pelas forças de segurança, seja no uso indiscriminado das armas chamadas menos letais, como balas de borracha e gás lacrimogêneo, seja no uso excessivo da força durante o policiamento dos protetos. A aplicação de leis que criminalizam manifestantes e a discussão de projetos que visam o endurecimento da legislação às vésperas do lançamento do mundial também preocupam”, ressalta Roque.

Para a elaboração do documento, a Anistia Internacional entrevistou manifestantes, advogados, jornalistas e ativistas de direitos humanos sobre os protestos e analisou fotos, videos, documentos governamentais e registros policiais. “O acompanhamento do trabalho das forças de segurança durante o policiamento dos protestos faz parte de uma agenda de trabalho mais ampla da Anistia Internacional, que há tempos já contempla o monitoramento das práticas policiais no país e sua conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos”, esclarece Roque.

Uso excessivo da força

Centenas de manifestantes saíram feridos das manifestações que ocorreram no Rio de Janeiro e em São Paulo desde junho de 2013, em geral pelas mãos da Polícia Militar. A falta de treinamento para o policiamento de protestos e a ausência de regulamentação específica para o uso das chamadas armas menos letais contribuiram para o uso excessivo da força pelas polícias em diversas manifestações.

O documento apresenta os casos do fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu o olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha enquanto registrava a manifestação, e da jornalista Giuliana Vallone, que também foi gravemente ferida por uma bala de borracha enquanto auxiliava uma pessoa perdida na rua, já na dispersão do protesto. Ambos os episódios ocorreram no dia 13 de junho de 2013 em São Paulo e evidenciam a urgência de se regulamentar o uso destes armamentos no país e treinar a polícia de maneira eficiente.

Detenções arbitrárias e a má aplicação da legislação vigente

Apesar de centenas de pessoas terem sido detidas e levadas para delegacias de polícia durante os protestos no Brasil, na grande maioria dos casos elas foram liberadas sem serem indiciadas por algum crime. Investigações da polícia civil mostraram, em muitos casos, que as acusações contra os manifestantes eram infundadas.

No entanto, uma preocupação apontada no documento da Anistia Interancional é o uso de legislações elaboradas para combater o crime organizado, como a Lei para Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), e a utilização de leis ainda do período em que o país viveu um regime militar, como a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), para criminalizar manifestantes. A organização relembra o caso de Humberto Caporalli, grafiteiro, que foi preso ao ser encontrado com tinta para grafite na dispersão de um protesto em São Paulo. E o caso de Rafael Braga, único condenado pelos protestos até o momento, o morador de rua da cidade do Rio de Janeiro cumpre pena de cinco anos em Bangu 2. Ele foi acusado de portar materiais para fazer explosivos, apesar do relatório da perícia ter afirmado que os liquidos que ele carregava quando foi preso não serviriam para este fim.

Falta de mecanismos de responsabilização e endurecimento da legislação

Entre os obstáculos que dificultam a responsabilização dos agentes envolvidos em episódios de violência e/ou abusos está a ausência de identificação adequada dos policiais em suas fardas. Muitos manifestantes relataram à organização sobre a impossibilidade de denunciarem os abusos sofridos por não conseguirem identificar o autor da agressão. A Anistia Internacional questionou as Secretarias de Segurança Publica do Rio de Janeiro e de São Paulo sobre a investigação de policiais envolvidos em episódios violentos nas manifestações, mas até a presente data ainda não obteve retorno.

A tramitação no Congresso de diversas propostas de lei que de alguma forma se relacionam com o contexto dos protestos (como as que proíbem o uso de máscaras e exigem a notificação prévia e autorização das autoridades para realização de manifestações) e de propostas que criam os crimes de terrorismo ou vandalismo, também podem resultar em restrições aos direitos à liberdade de expressão e manifestação pacífica.

Conheça o video da campanha: Brasil, chega de bola fora !