Passaram-se oito semanas desde que as autoridades sauditas levaram a cabo a primeira – e até à data única – flagelação do bogueiro e ativista Raif Badawi, condenado a dez anos de prisão e mil chicotadas por “insultos ao Islã” e criação e gestão de um fórum online de debate político.

Depois daquela primeira ronda de 50 chicotadas, em 9 de janeiro, em frente a uma mesquita da cidade de Jidá, um médico recomendou às autoridades prisionais que Raif Badawi não estava em condições de ser submetido a uma nova sessão da flagelação. O blogueiro fora condenado a receber 50 chicotadas todas as sextas-feiras ao longo de 20 semanas consecutivas.

Na semana seguinte à recomendação médica, um comité clínico voltou a dar o mesmo conselho de que Raif Badawi não deveria ser flagelado, apesar de um outro médico, da prisão, insistir que não havia nada que impedisse que fosse feita nova ronda de chicotadas. Depois disso, e ao longo das cinco semanas seguintes, as chicotadas marcadas para cada sexta-feira não se realizaram – então por razões que desconhecidas e sem ter havido avaliação clínica.

Uma vez mais, esta sexta-feira, 6 de março, Raif Badawi não foi flagelado por razões desconhecidas. É uma incógnita se o resto da punição virá a ser aplicada ou não.

Raif Badawi foi e continua a ser notícia pelo mundo inteiro. Mas o seu caso é só a ponta do icebergue do chocante estado de direitos humanos naquele reino do Golfo Pérsico. Veja dez fatos sobre a Arábia Saudita confirmados em investigações da Anistia Internacional:

Punições cruéis, desumanas e degradantes – Os tribunais da Arábia Saudita continuam a pronunciar sentenças de chicotadas como pena em muitas ofensas, frequentemente no contexto de julgamentos injustos. Além de Raif Badawi, nos últimos dois anos os defensores de direitos humanos Mikhlif Bin Daham al-Shammari e Omar al-Said foram condenados a 200 e a 300 chicotadas, respectivamente, e a cidadã filipina Ruth Cosrojas, empregada doméstica, foi condenada a 300 chicotadas. As amputações e as chamadas “amputações cruzadas” (amputação da extremidade de um membro superior de um dos lados do corpo e da extremidade de um membro inferior do lado oposto) são também punições aplicadas em alguns crimes.

Aumento nas execuções – A Arábia Saudita é um dos países onde são feitas mais execuções, com dezenas de pessoas a serem mortas todos os anos na aplicação da pena de morte, muitas delas em decapitações públicas. Só nestes primeiros dois meses de 2015 já foram executadas 40 pessoas – quatro vezes mais do que no mesmo período do ano passado.

Repressão a ativistas – Além de Raif Badawi, muitas dezenas de ativistas que falam sem rodeios permanecem atrás das grades, apenas por exercerem os direitos de liberdade de expressão e de reunião. As autoridades tomaram por alvo a pequena mas bastante audível comunidade de defensores e defensoras de direitos humanos no país, incluindo com recurso às leis antiterrorismo para suprimir as ações pacíficas que estas pessoas realizam para expor e tentar atribuir responsabilidades para as violações de direitos humanos.

Nenhum espaço de dissidência – Todas as reuniões públicas, incluindo manifestações, continuam a ser proibidas ao abrigo de uma ordem emitida pelo Ministério do Interior em 2011. Aqueles que ousam desafiar esta directiva podem ser detidos, julgados e condenados a prisão por crimes como “incitamento contra as autoridades”.

Discriminação sistemática contra mulheres – As mulheres e meninas continuam sujeitas a discriminação, tanto na lei como na prática, com legislação que as subordina ao estatuto do homem, em especial no que se relaciona com os assuntos de família como o casamento, o divórcio, a custódia dos filhos e heranças. As mulheres que dão o seu apoio a uma campanha contra a para permitir que mulheres dirijam carros (o que é proibido) enfrentam a possibilidade de detenção e outras formas de perseguição e intimidação.

Tortura frequente sob tutela das forças de segurança – Antigos presos, arguidos em julgamento e outros indivíduos relataram à Anistia Internacional que o recurso à tortura e a outros maus-tratos por parte das forças de segurança permanece comum e generalizado, e que os responsáveis nunca respondem por esses atos em tribunal.

Detenções arbitrárias – Muitas pessoas foram detidas e mantidas nas prisões enquanto aguardam julgamento por períodos de seis meses ou mais, em flagrante violação das leis penais do reino. Os detidos são frequentemente mantidos sem possibilidade de contato durante o período de interrogatórios e lhes é negado acesso a advogados. Alguns defensores de direitos humanos estiveram detidos sem lhes serem deduzidas acusações nem serem levados a julgamento durante mais de dois anos.

Discriminação religiosa enraizada – Membros da minoria xiita, a maior parte dos quais vivem na Província Oriental, região onde se localiza a maior parte dos campos de petróleo do país, continuam a enfrentar uma profunda discriminação que lhes restringe o acesso a serviços governamentais e ao emprego. Ativistas xiistas foram condenados à pena de morte ou a longas penas de prisão pela sua alegada participação nos protestos que ocorreram no país em 2011 e 2012.

Deportações maciças de trabalhadores migrantes – Segundo o Ministério do Interior, uma operação de detenção de trabalhadores migrantes estrangeiros irregulares em novembro de 2013 levou à deportação de mais de 370.000 pessoas. Cerca de 18 mil ainda permaneciam detidas em março do ano passado. Milhares de pessoas foram sumariamente enviadas de volta para a Somália, o Iêmen e outros países onde ficaram em risco de serem alvo de abusos de direitos humanos.

O que acontece no reino, fica no reino – As autoridades da Arábia Saudita continuam a negar o acesso de organizações independentes de direitos humanos como a Anistia Internacional, e são conhecidas por acionar medidas punitivas, incluindo através dos tribunais, contra ativistas e familiares de vítimas de violações de direitos humanos que contactam a Anistia Internacional.

Entre em ação: Cinco maneiras de você ajudar Raif Badawi agora!