Os ataques do governo contra a codificação das comunicações na Internet ameaçam os direitos humanos em todo o mundo, adverte a Anistia Internacional em um documento informativo, que a organização publicou ontem, dia 22, frente à impugnação apresentada ante os tribunais pelo gigante tecnológico Apple contra o Escritório Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI) pela ordem de fornecer um software para anular a codificação do iPhone.

No documento, intitulado Encryption: A Matter of Human Rights (Codificação: Um Assunto de Direitos Humanos), que supõe a primeira postura oficial da Anistia Internacional sobre codificação e direitos humanos, afirma-se que em todo o mundo as pessoas devem poder codificar suas comunicações e seus dados pessoais por ser esta uma proteção fundamental de seus direitos à intimidade e à liberdade de expressão.

“A codificação é condição indispensável para a intimidade e a liberdade de expressão na era digital. Proibi-la é como proibir os envelopes e as cortinas. Equivale a eliminar uma ferramenta básica para manter em privado a vida privada”, disse Sherif Elsayed-Ali, diretor adjunto do Programa sobre Assuntos Temáticos Globais da Anistia Internacional.

“Os governos que tentam socavar a encriptação deveriam pensar duas vezes antes de abrir esta caixa de Pandora. Debilitar a intimidade na Internet poderia ter consequências desastrosas para as sociedades livres, especialmente para os jornalistas e ativistas de direitos humanos que exigem responsabilidades a nossos dirigentes”.

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Exigir “portas falsas” pode violar os direitos humanos

O documento adverte contra as tentativas de fazer com que as empresas criem “portas falsas” para acessar ao software de codificação. Afirma que estas medidas violam o direito internacional dos direitos humanos, pois afetam indiscriminadamente a segurança das comunicações e os dados privados de todos os usuários desse software.

No caso da Apple contra o FBI pode ser que seja legítimo tentar acessar os dados de um telefone concreto, mas é a forma de fazê-lo – que exigiria que a empresa adaptasse seu software para eludir suas funções de segurança – que supõe o perigo de preparar o terreno para que o governo norte-americano, e demais governos, obriguem as empresas tecnológicas a modificar seus produtos para debilitar de alguma maneira a encriptação.

Tais “portas falsas” não apenas ameaçam o direito à intimidade na rede, mas também podem ter um terrível efeito sobre o exercício da liberdade de expressão e expor as comunicações on-line e os dados pessoais a ameaças de segurança tais como o roubo dos dados dos cartões de crédito por criminosos.

“O caso da Apple mostra o que está em jogo no debate sobre a codificação. Não se trata apenas de um telefone, mas se os governos devem ter a capacidade de ditar a segurança do software que protege a intimidade de milhões de pessoas”, disse Sherif Elsayed-Ali.

“Ao abrir uma ‘porta falsa’ na segurança para os governos corre-se o risco de também abri-la aos cybers delinquentes que querem piratear os telefones e aos governos de todo o mundo que querem espionar e reprimir as críticas.”

“Se as autoridades norte-americanas obrigarem uma das maiores empresas tecnológicas do mundo a fazer com que seus produtos sejam menos seguros, corre-se o perigo de que os governos de todo o mundo sigam o exemplo e exijam facilidades invasivas similares a centenas de empresas menores que desenvolvem tecnologia para preservar a intimidade”.

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A codificação ameaçada

Em um momento no qual a censura on-line e a vigilância ameaçam cada vez mais os direitos humanos, debilitar a encriptação poderia por em perigo a capacidade das pessoas em todo o mundo de comunicar-se livremente e utilizar a Internet, como fazem, por exemplo, os ativistas de direitos humanos que desafiam as autoridades, os jornalistas que descobrem casos de corrupção e os advogados que exigem responsabilidades a governos poderosos, afirma a Anistia Internacional.

Já existem vários governos, como Cuba, Paquistão e Índia, que limitam quem pode codificar suas comunicações ou a potência dessa codificação. Outros, como Rússia, Marrocos, Cazaquistão, Paquistão e Colômbia, às vezes chegam a proibi-la totalmente.

O informe da Anistia Internacional define algumas circunstâncias limitadas nas quais a encriptação pode ser restringida, como quando tal restrição é necessária para atingir um fim legítimo e é proporcional ao objetivo pelo qual se impõe.

Em vez de bloquear a codificação, a Anistia Internacional pede aos governos que promovam e protejam ativamente as comunicações on-line, entre outras coisas facilitando o uso de ferramentas e serviços de encriptação, de modo que todo o mundo tenha meios para defender-se do acesso não autorizado, do roubo ou da vigilância de sua informação pessoal, sejam por parte de Estados estrangeiros, organizações internacionais ou particulares.

A Anistia Internacional também pede às empresas que proporcionem um nível adequado de encriptação para proteger seus dados pessoais.

“Proibir ou debilitar a codificação terá um resultado claro: fazer com que todas as pessoas estejam menos seguras e minar nossa intimidade. Alguns governos tentam limitar a encriptação, aparentemente por motivos de segurança, mas isto não leva em conta as graves consequências que debilitar a encriptação teria para a segurança na Internet. Seria uma decisão equivocada e falta de alvo”, disse Sherif Elsayed-Ali.