Organização de direitos humanos confirmou com pesquisadores em campo o uso perigoso e inadequado de armas antimanifestação, golpes de cassetetes em pessoas indefesas que não ofereciam resistência e pede uma investigação exaustiva, rápida e imparcial sobre os fatos.

A Anistia Internacional confirmou por meio de observadores locais que a Unidade de Intervenção Policial da Polícia Nacional e agentes da Guarda Civil fizeram uso excessivo da força contra pessoas que se manifestavam, na rua e na porta dos centros de votação, cumprindo à ordem do Tribunal Superior de Justiça de Catalunha (TSJC) que ordenava às forças de segurança impedir a celebração do referendo. O Ministério do Interior informou que as forças de segurança interviram e cercaram 92 centros de votação. Segundo dados da Generalitat, o total de colégios eleitorais era de 2.315, dos quais 400 foram fechados por ordem judicial.

Uma delegação da Anistia Internacional composta por cinco pessoas esteve monitorando a situação na Catalunha durante alguns dias, incluindo a tarde de sábado, 30 de setembro, e domingo, 1º de outubro, quando visitou numerosos centros de votação durante todo o fim de semana, recolhendo diversos testemunhos e depoimentos.

Dados do Conselho de Saúde da Generalitat recolhidos até 12:00 desta segunda-feira indicam que, durante o dia primeiro de outubro, centros de atendimento de emergência e hospitais teriam prestado assistência a pelo menos 893 pessoas feridas, com contusões ou dores como resultado da ação policial.

Dois feridos graves encontram-se no hospital de Sant Pau e Vall d´Hebron. A maioria dos feridos estaria na região sanitária de Barcelona. Segundo fontes do Ministério do Interior, haveria 19 agentes feridos da polícia nacional e também 14 agentes da Guarda Civil. Diversas imagens também mostram atitudes violentas de alguns manifestantes contra agentes da Guarda Civil e Polícia Nacional. Um agente da Guarda foi ferido por uma cadeira arremessada em um dos centros de votação de Sant Joan de Vilatorrada (Barcelona).

“Está claro que várias das atuações dos agentes da Polícia Nacional e Guarda Civil resultaram no uso excessivo e desnecessário da força, utilização perigosa de material para controle de distúrbios, e provocaram centenas de feridos”, afirmou John Dalhuisem, diretor da Anistia Internacional para Europa e Ásia Central.

De acordo com o direito internacional, os agentes encarregados de fazer cumprir a lei podem usar a força apenas quando estritamente necessário para o exercício das funções. As atuações para garantir o cumprimento do mandato do TSJC devem estar alinhadas com tratados internacionais sobre o uso da força. A Anistia Internacional considera que em muitos casos os agentes da Polícia Nacional e Guarda Civil fizeram uso desproporcional da força.

A organização de direitos humanos documentou também o uso perigoso e inadequado do material antimanifestação, como balas de borracha, por parte de agentes da Polícia Nacional, pelo menos, na rua Sardenya com a rua Diputació, em Barcelona. Dois observadores da Anistia Internacional foram testemunhas da investida policial, que buscavam desobstruir a rua após um grupo de manifestantes sentarem na rua com o objetivo de impedir o acesso aos carros policiais após sua ação no colégio público Ramon Llull com objetivo de confiscar as urnas que estavam lá.

Quase meia hora após serem bloqueados por quem protestava, os agentes abriram caminho atirando balas de borracha nos manifestantes. Os carros policiais avançaram com rapidez pela rua Sardenya. Enquanto isso alguns manifestantes arremessaram objetos contra os policiais, que continuavam disparando. Segundo depoimentos que a organização obteve, na sua retirada, os agentes também dispararam balas de borracha a pouca distância dos manifestantes que corriam atrás da direção onde encontravam-se, ferindo ao menos duas pessoas. Aparentemente, uma delas na perna e outra no olho direito, esta última foi operada no hospital de Sant Pau, onde se encontra internada.

A Anistia Internacional lembra que os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo das Nações Unidas para agentes de segurança alertam, em relação às balas de borracha, que podem causar graves lesões, especialmente se impactarem a cabeça, rosto ou parte superior do corpo. Para cumprir com os princípios de necessidade e proporcionalidade, e de maneira mais geral com o respeito ao direito à vida e à integridade da pessoa, os agentes encarregados de fazer cumprir a lei não devem usar este tipo de material antidistúrbios como instrumento geral para dispersar multidões, unicamente para parar pessoas violentas.

Devido ao alto grau de imprecisão, nunca devem ser disparados sem um objetivo concreto ou contra o chão, já que podem ricochetear e atingir partes superiores do corpo. Os estúdios médicos mostraram um maior risco de morte ou lesões graves se os projeteis impactam na cabeça ou parte superior do corpo. A organização também recebeu testemunhos e viu imagens que mostram como os agentes utilizaram material antidistúrbios e uso excessivo da força contra pessoas que se concentravam ao redor de alguns colégios, como no caso da Escola Mediterrania no bairro da Barceloneta de Barcelona. Imagens em meios de comunicação mostram como, fora deste centro, alguns policiais golpeavam pessoas indefesas sem haver nenhuma ameaça aparente. Um agente de polícia, por exemplo, bateu em uma mulher no pescoço e rosto, em pelo menos duas ocasiões, sem que houvesse provocação.

Nas imagens pode-se ver como outro agente da polícia nacional agrediu um homem que também se encontrava na frente do colégio com um soco no rosto. Imagens captadas em Sant Joan de Vilatorrada (Barcelona) mostram como um agente da Guarda Civil bate com seu cassetete de borracha no rosto de alguns manifestantes que estão ao redor do centro de votação.

Essa forma de atuar contrasta com os princípios básicos sobre o emprego da força e armas de fogo para os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei das Nações Unidos que indicam que cassetetes e armas com impactos semelhantes não devem ser usados contra pessoas que não mostrem postura ameaçadora ou agressiva. Quando seu uso é inevitável, os agentes devem evitar causar lesões graves; devem proibir os golpes com cassetetes na cabeça, no pescoço, na garganta, na coluna, na região lombar, na barriga, nos joelhos, tornozelos, e pontos vitais do corpo.

Concluindo, a Anistia Internacional relembra que quando os participantes de um protesto ou manifestação não apresentam resistência violenta a polícia, essa não pode usar a força. Quando a conduta dos manifestantes for simplesmente de resistência ao cumprimento do objetivo policial, a força deve ser a mínima necessária e sempre proporcional ao objetivo necessário. Na opinião da organização, as imagens da retirada de manifestantes do Instituto Pau Claris, localizado no Passeio de Lluís Companys de Barcelona, demonstram como algumas das pessoas que estavam no local são agredidas e empurradas violentamente por agentes da Polícia, inclusive em casos onde não havia resistência.

“A Polícia Nacional e a Guarda Civil foram claramente atrapalhadas no exercício de suas funções em inúmeros locais de votação, mas há muita informação disponível que demonstra que agentes policiais fizeram uso excessivo e desproporcional da força e esses atos devem ser investigados, os responsáveis levados à Justiça e essas ações nunca podem se repetir no futuro” afirmou Esteban Beltrán, diretor de Anistia Internacional Espanha.

A Anistia Internacional exige que se abra imediatamente uma investigação exaustiva, imediata e imparcial por parte das autoridades espanholas sobre o uso excessivo e desproporcional da força por membros da polícia nacional e da Guarda Civil. Todo o uso da força por parte dos funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei deve ser realizado de modo que sejam cumpridos o direito e as normas internacionais e ser passível de revisão. Se a investigação concluir que foi feito uso excessivo da força, os responsáveis devem ser submetidos ao processo penal ou disciplinar adequado. O uso abusivo da força por parte das forças de segurança deve ser tratado como delito.