Roger Plant se ligou à Anistia Internacional em 1972 para trabalhar na América Latina. Poucos meses após Pinochet tomar o poder à força, Roger foi ao Chile para documentar as detenções arbitrárias, torturas e os desaparecimentos. O resultado foi um informe pioneiro que contribuiu para lançar luz sobre a realidade da vida nesse país latino-americano.
Como jovem pesquisador, Roger Plant estava trabalhando para a Anistia Internacional há menos de um ano quando Augusto Pinochet deu o golpe de Estado em 1973. Apenas recém-chegado, teve seu batismo de fogo: um momento decisivo que na última instancia definiu sua carreira profissional.
“No dia do golpe eu estava em Londres. Estava em casa quando me chamaram e nos apressamos a agir imediatamente. Lembro-me que contatei rapidamente vários amigos e contatos chilenos, para tentar fazer uma ideia do que estava acontecendo”, explica.
Uns meses depois, estava em um avião, no aeroporto londrino de Heathrow, com destino a Santiago do Chile via Nova Iorque. Após uma conversa por telefone com o secretário-geral da Anistia Internacional, o falecido Martin Ennals, ainda não tinha certeza se teria permissão para entrar no país.
“Martin Ennals queria que fôssemos o quanto antes. Lembro que no aeroporto de Heathrow havia uma mensagem para mim. Chamei Martin e este me disse: ‘Roger, soubemos pelo ministro de Assuntos Exteriores que não vão permitir que a delegação entre no Chile, você não vai poder seguir adiante de modo algum.’” Subi no avião um pouco preocupado e quando cheguei a Nova Iorque entrei em contato com Martin, que me disse: ‘Me alegra dizer que os chilenos mudaram de opinião e que, no fim, os deixarão entrar.’”
Foi a primeira visita para observar as detenções ilegais, as torturas e os desaparecimentos que estavam sendo cometidos no país latino-americano sob o brutal regime do general Pinochet.
Entrar em território hostil
Mas entrar em um país no meio de uma crise de direitos humanos, enquanto estavam prendendo, detendo, torturando e fazendo desaparecer milhares de ativistas sociais, educadores, advogados e sindicalistas, não era tarefa fácil.
Além de Roger, saíram do aeroporto de Santiago Frank Newman, professor de direito da Universidade da Califórnia, e o juiz Bruce Sandler, presidente da Corte Suprema do condado de Orange (Califórnia).
Embora as autoridades chilenas tenham concordado em permitir a visita, esta foi estritamente controlada. Os serviços de segurança tentaram impedir que a equipe tivesse acesso aos lugares que queriam ver: os centros que posteriormente seriam famosos pelos abusos que caracterizaram os 17 anos do regime de Pinochet. Roger e seus companheiros tiveram que despistar seus acompanhantes.
“Era uma situação terrível. Em um par de dias consegui entrar no Estádio Nacional, que naquele momento estavam desocupando”, lembra Roger.
“Tentaram por todos os meios não nos deixar ir. Nos ‘guiavam’ alguns funcionários chilenos, mas lembro de que escapei e pude falar com alguns dos presos políticos. Era uma situação muito estranha. Por um lado, pode haver um controle férreo, mas, por outro, pode haver certo caos em uma situação assim.”
Vítimas e agressores
Em sua visita de oito dias, os delegados da Anistia Internacional entrevistaram dezenas de sobreviventes da tortura, familiares de ativistas que haviam sido detidos, e inclusive algumas autoridades que tentaram justificar os abusos que estavam sendo cometidos.
Roger se recorda de que as vítimas mostraram alguns sinais muito graves de tortura. E lhe deram uma lista de pessoas que haviam sido detidas, que foi difundida com toda a rapidez possível. Segundo ele, tudo era muito rápido porque a todo momento sabiam que os militares poderiam chegar e impedir o trabalho, fazendo com que saíssem o mais rápido possível.
“Foi uma mistura: falamos com algumas pessoas muito valentes que estavam trabalhando diretamente com os presos políticos e também com algumas autoridades, como o ministro de Relações Exteriores, o ministro do Interior e o ministro de Justiça. Também falamos com vários diplomatas que também estavam fazendo todo o possível para intervir a favor dos que estavam em perigo”, relatou. A informação que receberam dos ativistas e dos representantes do governo era totalmente oposta.
“Foi muito deprimente reunir-se com todo o conselho geral do Colégio de Advogados, que negava absolutamente tudo, que justificava tudo. Como descobrimos, mais de 90% dos presos e das prisões estavam sob o controle dos ministérios de Defesa e do Interior. O que havia, então, era uma aparência de justiça.”
O relatório
Roger regressou a Londres depois de oito dias no Chile e redigiu um dos primeiros relatórios que documentaram os terríveis abusos que estavam sendo cometidos sob o regime de Pinochet.
O documento incluiu dezenas de testemunhos de detenções arbitrárias, torturas e desaparecimentos e provocou um apelo global para a ação. O documento impulsionou uma campanha internacional para ajudar as pessoas em risco.