O impedimento imposto pelas autoridades a que familiares dos 17 ativistas que estão sendo julgados em Luanda, assim como jornalistas, entidades diplomáticas, observadores independentes e público possam acompanhar as sessões transformou este julgamento numa farsa, e lança muitas dúvidas sobre a independência do poder judicial em Angola, avalia a Anistia Internacional com o processo já com quatro semanas de audiências.

O julgamento dos 17 ativistas – 15 dos quais foram detidos e mantidos em prisão preventiva desde junho por terem participado num encontro de discussão sobre política e preocupações sobre a governação de Angola – desrespeitou várias normas de direito internacional que regem o julgamento justo. Não foi permitida a entrada no tribunal a muitos observadores, e àqueles que foi autorizada a entrada foi recusado acesso às casas de banho, a água, e viram-se forçados a permanecerem de pé durante longos períodos de tempo.

“O direito a audiências públicas constitui uma salvaguarda essencial de julgamento justo, e impedir a presença de observadores na sala do tribunal sem nenhuma justificação é uma violação da lei internacional de direitos humanos”, sublinha a vice-diretora da Anistia Internacional para a África Austral, Muleya Mwananyanda. “Estes ativistas, mantidos na prisão há mais de cinco meses sob acusações forjadas, foram não só detidos injustamente mas veem-se a ser julgados num tribunal de faz-de-conta onde os princípios da lei e da justiça estão a ser ignorados”, prossegue a perita da organização de direitos humanos.

O julgamento tem sido um processo penoso, com apenas oito dos 17 arguidos a terem sido ouvidos. De forma bizarra, o tribunal passou dias a ouvir serem lidas quase 200 páginas de um livro, não publicado, que fora escrito por um dos 17 ativistas, Domingos da Cruz. Este livro – “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura-Filosofia política da libertação para Angola” – descreve uma série de métodos de resistência pacífica. E as autoridades angolanas têm o dever de fazer com que os procedimentos judiciais sejam cumpridos sem demoras injustificadas.

A Amnistia Internacional tem exortado a que este julgamento seja anulado e que todos os ativistas sejam libertados imediata e incondicionalmente, uma vez que estão detidos pelo simples exercício dos seus direitos de liberdade de reunião e de expressão. A organização de direitos humanos considera que todos estes ativistas são prisioneiros de consciência e entende que jamais deviam ter sido detidos.

O direito dos observadores e de outras entidades e indivíduos em “presenciar audiências públicas, procedimentos e julgamentos” está consagrado não apenas na Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos (resolução de dezembro de 1998) mas também no tratado dos Princípios de Julgamento Justo em África. O direito a um julgamento público, em que se inclui a presença de observadores em tribunal, é um componente crucial do direito a julgamento justo e está protegido pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, assim como pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, dos quais Angola é um Estado-parte.

“Este julgamento proporcionou ao poder judicial em Angola uma oportunidade para demonstrar a sua independência e pôr fim a esta injustiça, arquivando o processo judicial”, sustenta Muleya Mwananyanda.

A vice-diretora da Amnistia Internacional para a África Austral avança ainda que “infelizmente, falharam em fazê-lo”. “Em vez disso agravaram ainda mais as continuadas violações de direitos humanos cometidas contra estes ativistas pacíficos, os quais nunca deviam sequer ter sido detidos”, remata.

O julgamento dos 17 ativistas começou a 16 de novembro de 2015. Foram formalmente acusados, a 16 de setembro, de atos “preparatórios à prática de rebelião” e “tentativa de golpe” contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.

As forças de segurança angolanas detiveram 15 destes ativistas entre 20 e 24 de junho, em Luanda. As detenções seguiram-se a um encontro em que os arguidos participaram para discutir preocupações políticas e sobre a governação no país.

Cada uma das acusações deduzidas incorre numa pena máxima de três anos de prisão, ou multa correspondente. Os 15 que se encontram em prisão preventiva são coarguidos com outras duas ativistas, as quais não foram detidas.

Os advogados de defesa submeteram uma queixa ao tribunal de danos corporais cometidos contra dois dos ativistas, que denunciam ter sido espancados por polícias numa sala fechada nas instalações do tribunal. As autoridades angolanas não abriram nenhuma investigação a estas alegações de tortura e outros maus-tratos.

Na análise feita a um caso similar ao dos 17 ativistas angolanos agora em julgamento, o Comitê de Direitos Humanos detetou terem sido cometidas violações do direito a julgamento justo e público nas circunstâncias em que o julgamento decorreu numa pequena sala sem capacidade para acomodar o público interessado em assistir aos procedimentos judiciais (Marinich v Belarus, Doc. ONU CCPR/C/99/D/1502/2006, de 2010).

Esta segunda-feira, 7 de dezembro, 14 dos 15 ativistas em prisão preventiva neste processo assinaram uma carta aberta ao chefe de Estado, declarando que se as audiências não tiverem terminado até ao final desta semana, vão recusar a estar presentes no tribunal e começarão uma greve de fome coletiva.