De vez em quando aparecem casos que parecem ser trágicos demais para compreendermos – aonde a crueldade de um indivíduo contra o outro é agravada e amplificada por uma resposta insensível do governo. É assim que eu me sinto em relação ao caso da menina grávida de 10 anos, que foi estuprada pelo seu padrasto, e teve a opção de aborto negada pelas autoridades paraguaias.
Essa é uma história que vem atraindo a atenção do mundo todo, muitos chocados que uma criança seja tratada dessa maneira pelo seu próprio governo, que supostamente deveria protegê-la.
Nós da Anistia Internacional acreditamos que o não fornecimento de todas as opções a essa criança vulnerável, incluindo a opção crucial de terminar essa gravidez, compara-se a tortura, e é uma violação dos seus direitos humanos.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a gravidez infantil é extremamente perigosa para a saúde de jovens garotas, já que pode levar a complicações e até mesmo a morte, especialmente se os seus corpos “não estiverem totalmente desenvolvidos para levar a gravidez”. Essa menina de 10 anos está enfrentando um risco enorme de vida e de prejuízo à sua saúde física e psicológica, no curto, médio e longo prazo.
Nós sabemos que a mãe da menina solicitou, há três semanas, ainda no final de abril, com a melhor das intenções para sua filha, que a gravidez fosse finalizada. No Paraguai, o acesso ao aborto é restrito, mas é legal quando há risco de vida. Alguns médicos disseram que a garota provavelmente irá sobreviver durante a gravidez. A devastação que isso poderá causar no seu corpo e mente parece ser um fator que não entrou na análise.
Então, ao invés de prover o aborto e o apoio físico e psicológico que essa garota de 10 anos necessita urgentemente, ela foi enviada para um centro de “jovens mães”, separada de sua própria mãe, que em sua própria tragédia, está sendo detida por falhar na proteção da menina do abuso sexual que resultou na gravidez.
Eu não sou a única pessoa ultrajada por essa história comovente. Centenas de milhares de pessoas escreveram ao presidente Horacio Cartes na última semana, fazendo apelos que garanta a opção de terminar com a gravidez para essa menina . Os apoiadores da Anistia Internacional Reino Unido já enviaram mais de 110.000 assinaturas para o presidente, a maior reação pública que o escritório do Reino Unido já viu. Dezenas de milhares de pessoas enviaram testemunhos de todo o mundo.
Os peritos da ONU também expressaram sua preocupação, declarando que o governo do Paraguai falhou na sua responsabilidade de proteger a criança e prover a ela um tratamento crítico e adequado, incluindo um “aborto seguro e terapêutico”.
Eu não conheço ninguém que ache aceitável que uma criança de 10 anos seja forçada a continuar com uma gravidez indesejável.
Mas o caso dela não é um caso isolado. Na América Latina, aonde se encontram as mais restritas leis de aborto no mundo, o abuso sexual e a gravidez infantil são muito comum.
Além disso, o acesso limitado a abortos geralmente leva garotas e mulheres desesperadas a métodos não seguros em clínicas clandestinas de aborto, que geralmente acarretam a morte. A Organização Mundial de Saúde relatou que 13% das mortes maternas na América do Sul acontecem devido a tais procedimentos.
A verdade é que as leis de aborto do Paraguai estão dolorosamente fora de contato com as suas obrigações internacionais de direitos humanos. Em março de 2015, o Comitê da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sugeriu ao Paraguai a revisão e modificação da sua legislação de aborto para garantir sua compatibilidade com outros direitos, como à saúde e à vida.
Então, por que as autoridades Paraguaias não agem? Eu acho que, infelizmente, a razão é principalmente a discriminação, tanto contra mulheres e garotas quanto contra os pobres; que são tão rompantes na minha região. A triste verdade é que a lei paraguaia e a maioria da sociedade vê a mulher com o papel primário de portadora de crianças e mãe, assim que elas ficam grávidas e suas opções se tornam ainda mais limitadas.
Também é o caso que, se uma garota e sua família possuem meios econômicos, se ela pertencer a uma classe social diferente, ela teria acesso a instalações privadas de saúde, aonde ela poderia ter acesso ao aborto, ou poderia viajar para fora do país para ter acesso a um aborto lá fora. O Estado se encontraria totalmente ausente de sua decisão privada e não iria sequer intervir.
O Estado tem sido falho com essa menina por meses durante sua gravidez, se não por anos durante a pobreza e os abusos por ela sofridos. No ano passado, sua mãe se queixou às autoridades de que seu padrasto vinha abusando da sua filha, mas eles decidiram não investigar por falta de evidências. Bem, ela encontrava-se claramente em uma situação de risco. De acordo com as normas internacionais de direitos humanos, o Estado tem a responsabilidade de proteger essa garota da violência e de agir com diligência para garantir sanidade física e mental. Seus interesses devem ser a prioridade daqueles que falharam com ela no passado e que tem poder sobre ela no futuro.
Em 11 de maio, um painel de especialistas se encontrou no Paraguai para avaliar o seu caso. Eles tiveram três dias para decidir que opções a garota deve ter, baseados no seu estado mental e psicológico. Será que eles vão colocar os direitos humanos e os interesses da garota a frente em suas recomendações? Ou serão guiados pelos seus próprios medos e preconceitos? Nós devemos esperar para ver. Mas eu espero que eles não falhem com ela. Para essa criança, o tempo está acabando.