Dezenas de milhares de pessoas nascidas na República Dominicana, a grande maioria de ascendência haitiana, estarão em risco de expulsão quando expirar o prazo para apresentar seu pedido de residência, declarou a Anistia Internacional.
“Quando expirar o prazo, acabará a esperança de dezenas de milhares de pessoas vulneráveis. Milhares de pessoas correm o risco de serem expulsas do país”, disse Erika Guevara Rosas, diretora do Programa das Américas da Anistia Internacional.
“Ainda que essas pessoas possam permanecer na República Dominicana após o vencimento do prazo, seu futuro será terrivelmente incerto. Embora os termos ‘residente’ e ‘apátrida’ possam parecer burocráticos, a verdade é que contar com a cidadania legal pode ser essencial para ter acesso à educação, ao atendimento médico e ao trabalho, entre outros direitos fundamentais.”
A Lei 169/14, introduzida em maio de 2014, estabelece que as pessoas nascidas de pais estrangeiros sem documentação, cujo nascimento não foi declarado na República Dominicana, devem inscrever-se em um programa especial para obter uma permissão de residência que, mais tarde, necessitarão para solicitar a cidadania no país. Isso significa que as pessoas que já não estejam inscritas no sistema perderão a possibilidade de receber um dia a cidadania dominicana.
Apenas uma pequena porcentagem das pessoas que, em virtude da lei, têm direito a inscrever-se puderam iniciar o processo antes que expire o prazo. O ministro do Interior declarou que, até 9 de janeiro, 5.345 pessoas haviam se inscrito no programa de regularização estabelecido pela lei 169/14. Esta cifra representa menos de 5% das 110.000 que, calcula-se, têm direito de fazê-lo.
A lei foi introduzida após a condenação generalizada da decisão do Tribunal Constitucional dominicano de privar retroativamente da nacionalidade dominicana milhares de pessoas de ascendência estrangeira, e convertê-las em apátridas. A nova lei obriga essas pessoas a inscreverem-se como estrangeiras, e voltar a solicitar, partindo do zero, a cidadania dominicana.
“Já é hora de pôr um fim a esta crise. A simples realidade é que, quando nasceu a maioria destas pessoas, a lei dominicana então vigente as reconhecia como cidadãs. Privá-las desse direito, e criar em seguida obstáculos administrativos quase insuperáveis para poder ficar no país, constitui uma violação de seus direitos humanos”, declarou Erika Guevara Rosas.
Já foram informadas algumas expulsões. Em 27 de janeiro, 51 pessoas – entre elas, 30 crianças nascidas na República Dominicana, algumas de suas mães e outros 14 adultos – foram expulsas da República Dominicana sem o devido processo para o Haiti.
A lei 169/14 cria duas categorias de pessoas: as que, em algum momento, se inscreveram no registro civil dominicano, e aquelas cujo nascimento não foi declarado.
Mesmo entre a maioria das pertencentes ao primeiro grupo, que deveria ter devolvida sua nacionalidade dominicana em um procedimento rápido, está há meses esperando, e atualmente continua sendo, de fato, apátridas.
Juan Alberto Antuan Vill é um jovem de ascendência haitiana nascido na República Dominicana e inscrito no registro civil dominicano no momento de seu nascimento. As autoridades dominicanas estão há anos negando seus documentos de identidade.
“Estamos preocupados porque as autoridades continuam negando a existência dos apátridas, mas é nossa realidade. Não confiamos em todo este processo, por causa das pessoas que o dirigem. Neste país existe discriminação: não posso trabalhar e não posso acessar serviços essenciais”, declarou Juan Alberto á Anistia Internacional.
“A República Dominicana está há muito tempo pisoteando os direitos das pessoas de ascendência haitiana no país. Esta injustiça dura há bastante tempo; o governo deve tomar medidas urgentes para restaurar plenamente a nacionalidade dominicana às milhares de pessoas vulneráveis que nasceram, viveram e trabalharam no país durante décadas”, disse Erika Guevara Rosas.
Informação adicional
A lei 169/14 já foi objeto de intensas críticas anteriormente. Em outubro de 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que a lei violava a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. As autoridades dominicanas rechaçaram de imediato a resolução da Corte e se negaram a cumpri-la. Também declararam reiteradamente que ninguém havia ficado na situação de apátrida.
Na República Dominicana vivem centenas de milhares de descendentes e imigrantes haitianos. Em muitos casos, suas famílias se animaram a ir para a República Dominicana desde a década de 1940, mediante acordos bilaterais exercidos pelos dois governos para realocar uma mão de obra barata nas plantações de cana de açúcar.
Durante décadas, o Estado dominicano reconheceu formalmente como cidadãos dominicanos os filhos de imigrantes haitianos nascidos no país, e emitiu seus certificados de nascimento dominicano, documentos de identidade e passaportes, independente da condição de imigrantes de seus pais.