As forças de segurança israelenses têm revelado total desprezo pela vida humana, sendo responsáveis pela morte de dezenas de civis palestinos, incluindo crianças, ao longo dos últimos três anos na Cisjordânia, e com total impunidade, sustenta relatório divulgado pela Anistia Internacional.
O documento, intitulado “Trigger-happy: Israel’s use of excessive force in the West Bank” (Rápidos no gatilho: O uso de força excessiva por Israel na Cisjordânia) e apresentado esta quinta-feira, 27 de fevereiro, descreve o crescente derramamento de sangue e abusos de direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados provocados pelo uso excessivo de força por parte das forças israelenses, de forma arbitrária e brutal, contra os palestinos desde 2011.
Em todos os casos averiguados pela Anistia Internacional, os palestinos mortos por soldados israelenses não apresentavam qualquer ameaça direta e imediata à vida. Em alguns desses casos, foram apuradas provas de que algumas pessoas foram vítimas de assassinatos intencionais – o que constituem crimes de guerra.
“O relatório apresenta provas que demonstram a existência de um padrão angustiante de mortes e ferimentos cometidos à margem da lei de civis palestinos por parte das forças israelenses na Cisjordânia”, frisa o diretor do Programa para Oriente Médio e Norte da África da Anistia Internacional, Philip Luther.
Para a organização, “a frequência e persistência do recurso à força excessiva e arbitrária contra manifestantes pacíficos na Cisjordânia, por parte dos soldados e polícias israelenses – e a impunidade de que estes gozam – sugerem que esta é uma política de ação”.
Dezenas de mortos e feridos
A Anistia Internacional documentou a morte de 22 civis palestinos na Cisjordânia apenas no ano passado – destes, 14 em situações de manifestações. A maior parte eram adultos jovens, com menos de 25 anos; pelo menos quatro eram crianças.
Segundo dados das Nações Unidas, as mortes de palestinos ocorridas em 2013 por responsabilidade das forças israelenses superam as ocorridas no total de 2011 e 2012. Nestes últimos três anos, registou-se a morte de pelo menos 45 civis palestinos.
Manifestantes pacíficos, transeuntes civis, ativistas de direitos humanos e jornalistas estão entre aqueles que foram mortos ou feridos na Cisjordânia pelas forças de segurança israelenses.
Desde 2011, pelo menos 261 palestinos, em que se incluem 67 crianças, foram feridas com extrema gravidade por munições reais disparadas por soldados israelenses. E um número elevadíssimo de civis na Cisjordânia – mais de 8.000, incluindo 1.500 crianças – foram feridos por outro tipo de armamento, usado de forma irresponsável, como balas de metal revestidas a borracha e gás lacrimogêneo. Em alguns dos casos documentados pela Anistia Internacional foi apurado que algumas das vítimas morreram devido a esses sofrimentos.
“Este aumento chocante do número de feridos dá sinais do implacável perigo que os palestinos enfrentam todos os dias na Cisjordânia ocupada”, nota Philip Luther.
Algumas das vítimas foram alvejadas pelas costas, sugerindo que dispararam contra elas quando estavam fugindo e não apresentavam nenhuma ameaça às vidas dos membros das forças de segurança israelenses ou outras pessoas. Em muitos casos, soldados israelenses fortemente armados e protegidos lançaram mão a meios letais para responder a manifestantes que atiravam pedras, resultando numa desnecessária perda de vidas.
Mais de um ano após o início das investigações abertas pelas autoridades israelenses ainda não foram divulgadas quaisquer conclusões sobre as mortes ocorridas ilegitimamente.
“O atual sistema israelenses já provou ser totalmente inadequado: não é independente nem imparcial e carece em absoluto de transparência. As autoridades têm de fazer investigações imediatas, completas e independentes a todas as circunstâncias suspeitas de uso excessivo e arbitrário da força, especialmente quando este resulta na perda de vidas ou ferimentos graves”, afirma o diretor do Programa para Oriente Médio e Norte da África da Anistia Internacional.
Philip Luther ressalta que “tem de ser dada uma mensagem clara aos soldados e policiais israelenses de que os abusos não continuarão impunes”. “Se aqueles que cometeram estes abusos não forem responsabilizados, as mortes e ferimentos ilegítimos vão continuar”, completa.
Comunidade internacional tem de pressionar
Nos últimos anos, a Cisjordânia tem sido palco de manifestações constantes contra a prolongada ocupação de Israel e assistido a um sem número de políticas e práticas repressivas – incluindo a continuada expansão das colônias israelenses, o muro de 800 quilômetros de comprimento, as demolições compulsórias de casas palestinas, despejos forçados, postos de controle militares israelenses, estradas reservadas à circulação de colonos israelenses cujo uso está restrito aos palestinos e outras limitações de movimento dos palestinos nos territórios ocupados.
São frequentes os protestos realizados contra as detenções de milhares de palestinos e em reação aos ataques militares das forças israelenses sobre a faixa de Gaza e a morte ou ferimento de palestinos em manifestações ou durantes incursões policiais com prisões.
A Anistia Internacional urge que as autoridades israelenses instruam suas forças de segurança a refrearem-se de recorrer à força letal, incluindo o uso de munições reais e balas revestidas a borracha a não ser que tal se demonstre necessário para protegerem as suas vidas. As forças de segurança também devem respeitar o direito dos palestinos a manifestarem-se pacificamente.
Para a organização é fundamental que os Estados Unidos, a União Europeia e o resto da comunidade internacional suspendam todas as vendas de munições, armas e outro equipamento bélico a Israel. “Sem pressão da comunidade internacional, dificilmente a situação mudará em breve”, avalia Philip Luther.
“Já foi derramado muito sangue de civis. Este longo padrão de abusos tem de ser quebrado. Se as autoridades israelenses querem provar ao mundo que assumem o compromisso com os princípios democráticos e de direitos humanos, as mortes ilegítimas e o uso excessivo de força têm de acabar já”, afirma.
Uma criança morta por se manifestar
Na Cisjordânia, as consequências trágicas da política israelense de repressão dos protestos palestinos tornaram-se uma história familiar.
Samir Awad, de 16 anos e oriundo de Bodrus, perto de Ramallah, foi morto a tiros junto à escola que frequentava em janeiro de 2013: estava com amigos tentando organizar um protesto contra o muro que separa a Cisjordânia de Israel e atravessa ao meio a sua aldeia. Foi atingido por três tiros na nuca, numa perna e num ombro, enquanto fugia dos soldados isarelenses que tinham cercado o seu grupo. Testemunhas declararam que o rapaz foi alvejado quando tentava fugir do local.
Um dos seus amigos, Malik Murar, também de 16 anos, e que assistiu à morte de Samir, contou à Anistia Internacional: “O primeiro tiro atingiu-o na perna, e ele conseguiu continuar a correr… mas quão longe consegue uma criança correr ferida? Eles podiam tê-lo apanhado e detido. Em vez disso dispararam contra ele pelas costas com munições reais”.
A Anistia Internacional entende que a morte de Samir Awad constitui uma execução extrajudicial ou um assassinato intencional, atos considerados crimes de guerra pelas leis internacionais. “É difícil acreditar que uma criança desarmada possa ser considerada um perigo iminente para um soldado bem equipado. As forças israelenses aparecem aqui, e em outros casos, como tendo disparado irresponsavelmente à mínima aparência de ameaça”, avança Philip Luther.
De acordo com a legislação internacional, a polícia e soldados têm de se comportar sempre com contenção e jamais recorrerem arbitrariamente à força. As forças de segurança podem apenas recorrer a força letal quando se encontram em perigo de vida iminente ou outros sofrem esse risco. Israel tem recusado persistentemente tornar públicas as normas e regulamentos relativos ao uso de força pelo exército e polícia nos Territórios Palestinos Ocupados.