A pandemia de COVID-19 no Brasil evidenciou as vulnerabilidade dos povos quilombolas que habitam, em sua maioria, em áreas rurais de municípios cujas estruturas sanitárias são insuficientes para prover dignidade aos moradores dessas regiões. Fatores que potencializam a letalidade do coronavírus ao proliferar em meio a tal grupo. Outro fator que emergiu no contexto de pandemia foi o racismo estrutural por meio da subnotificação dos casos de contaminação e óbitos entre a população quilombola, por parte das autoridades sanitárias. Além disso, apesar de alguns Quilombos estarem recebendo vacinas para imunizar suas populações, nem sempre o número de doses que chegam é compatível com o número de pessoas que vivem nesses locais. 

Em meio ao avanço da pandemia e a ausência de ações de mitigação dos impactos em territórios quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), principal movimento de representação da população quilombola no país, denunciou o Estado brasileiro ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020. O documento foi protocolado em 09 de setembro de 2020 e pediu que a suprema corte interviesse e obrigasse o Estado a apresentar um plano emergencial de enfrentamento à pandemia que contemplasse as especificidades quilombolas. Mas, o processo só foi julgado em fevereiro de 2021.

Essa foi a primeira vez que o Movimento quilombola recorreu ao STF e este, por sua vez, reconheceu a sua legitimidade ao deliberar em favor das demandas expostas.

“Essa ADPF 742 foi para o plenário do STF e a gente conseguiu que o STF reconhecesse esse estado de vulnerabilidade e obrigasse o Estado a elaborar um plano de vacinação. O Estado brasileiro está trabalhando nesse plano. Mas, está muito longe de ser aquilo que nós almejamos”, avalia  Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador da Conaq.

A Conaq denuncia que o Estado não possui dados demográficos da população quilombola e as doses de vacinas distribuídas, com base na estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não são suficientes para atender a demanda.

“A estimativa do IBGE está defasada e não representa informação fidedigna da quantidade de quilombolas que deverão ser vacinados. Os dados apresentados pelo governo federal com a estimativa da população quilombola,  são baseado em informações do censo demográfico do IBGE de 2010. Obtidas por intermédio de dados indiretos sobre a população quilombola, uma vez que o censo populacional de 2010 não apurou a população quilombola residente no país. A falta de dados populacional quilombola é tão evidente que o próprio Estado brasileiro reconhece, que os dados são subestimados ao determinar por meio do OFÍCIO Nº 236/2021/CGPNI/DEIDT/SVS/MS de 11 de março de 2021, encaminhado aos Coordenadores Estaduais de Imunização solicitando a atualização dos dados. Fato que também tem contribuído para resistência dos estados e municípios em imunizar a população quilombola, apontado na manifestação da CONAQ protocolada na última quinta-feira (22) nos autos da ADPF 742 ao STF”, explica Moraes.  

Além de contestar os dados subestimados da população quilombola apresentado pela União, a CONAQ, denúncia outras falhas com relação ao plano de operacionalização da vacina, que precisam ser sanados, a exemplo da complementação das doses de vacinas,, para que contemple toda população quilombola, além da restrição em vacinar apenas os quilombos com residência permanente “habitam” no território, excluindo quilombolas que por razão de trabalho, estudos, doenças e outros motivos não estão residindo no quilombo, mas mantém relação com suas famílias e familiares no território. . Situação que é trazida na manifestação em relatos enfrentados pelas organizações e lideranças quilombolas nos Estados e Municípios. No Paraná, por exemplo, as equipes de saúde estão limitando a vacinação apenas aos quilombolas que se encontram no território. Igualmente no Estado de Mato Grosso, a Promotoria de Justiça da Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade, expediu recomendação administrativa, registrada no SIMP nº 000252-089/202, em que recomenda ao Prefeito e ao Secretário Municipal de Saúde a vacinar somente os quilombolas do grupo prioritário, idosos, com comorbidades e que possuem vínculo com a comunidade, excluindo os que vivem os maiores de 18 anos que vivem fora da comunidade ou que ocupam cargos públicos, além de trazer conceituação de quilombola, diversa da já estabelecida na legislação, violando o critério da autoidentificação étnica, e desrespeitando decisão proferida  pela própria ADPF, que não estabelece critérios para vacinação, devendo ser vacinados todos os quilombola acima de 18 anos, conforme estabelecido na 9ª e 10ª pauta do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina. 

No entanto, a falta de coordenação do Governo Federal por meio  do Ministério da Saúde, com as omissões constantes no PNI tem produzido efeitos distintos do que deveria ser, mesmo a  população quilombola estando incluída nas pautas 9 e 10 de distribuição das doses, o plano não obriga os Estados a seguirem a recomendação nem discrimina a logística de distribuição.

 

“A vacina está acontecendo em alguns territórios com esses problemas de faltarem vacina porque o número de pessoas quilombolas é maior do que número de doses que chegam”, ressalta Moraes.

A Conaq trabalha ainda para assegurar a vacinação a todos os quilombolas. Ao retornar ao STF por meio da Petição protocolada no último dia 22, a expectativa é que a corte pressione o Governo pela efetividade do plano emergencial.

*Este conteúdo foi produzido pela CONAQ

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