
No fim do ano passado, o governo do Pará sancionou uma lei – a 10.820/2024 – que invalida dispositivos anteriores essenciais para a garantia do direito humano à educação dos povos indígenas e comunidades tradicionais do Estado. Entre outras medidas, a legislação revoga o Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI), abrindo margem para aulas online/remotas, além de trabalhar com um corte da ordem de 85% na verba destinada à educação indígena, aprovado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) 2025.
A nova lei não apenas revoga o SOMEI, mas também desconsidera a necessidade de uma educação que respeite a diversidade cultural e linguística dos povos indígenas. A possibilidade de substituição das aulas presenciais por ensino à distância representa uma ameaça séria à transmissão de saberes e à autonomia das comunidades na gestão educacional. A mudança pode acabar precarizando a educação, afastando os jovens de suas raízes e territórios.
A sanção da lei gerou indignação e, em protesto no último dia 14 de janeiro, o movimento indígena ocupou o prédio da Secretaria de Educação do Estado, na capital Belém e outros pontos em rodovias ao longo do Estado, permanecendo nesses locais desde então. Após 10 dias de ocupação ocorreu uma reunião com o governador do Pará, Helder Barbalho, na qual a presença da polícia e sua abordagem, denunciada como intimidatória e desproporcional, gerou grande tensão contribuindo para que não houvesse acordo entre o movimento e o governo.

No curso das negociações, ocorreu uma audiência no último dia 31, com vistoria às instalações da Secretaria de Educação, a qual constatou que a área não sofreu depredações – ao contrário do que afirmaram notícias recentemente veiculadas. Temos monitorado a situação e consideramos fundamental que autoridades paraenses retomem o diálogo com as comunidades indígenas, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas nas decisões que os afetem.
O direito à educação dos povos indígenas e comunidades tradicionais é um pilar constitucional no Brasil, conforme estabelecido no Artigo 210 da Constituição Federal, que assegura a educação escolar indígena diferenciada. Assim, a nossa carta magna enfatiza que o ensino deve respeitar as tradições e a cultura dos povos originários – ponto reivindicado recentemente pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7778) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a legislação. Além disso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, exige consulta prévia às comunidades afetadas em relação a decisões que impactem suas vidas e modos de organização – que não foi realizada no caso.
Diante da gravidade dos fatos, a Anistia se une a mobilização dos movimentos e pede ao governador do estado do Pará a imediata revogação da Lei 10.820/2024, com uma nova legislação criada a partir da devida consulta aos envolvidos. A vigência da norma atual não só compromete o direito à educação dos povos indígenas como também representa uma grave violação às suas formas de vida ancestrais. A luta pela educação indígena é uma luta pelo reconhecimento das identidades culturais e da autodeterminação dos povos amazônicos. Esperamos ainda que os direitos dos indígenas ao protesto sejam respeitados, garantindo que eles possam reivindicar sem violações, sobretudo, pelo uso desproporcional da força.