Após 20 anos da morte de Maicon, morto aos 2 anos, na porta de casa, crime prescreverá sem nenhuma responsabilização.
José Luiz Faria da Silva, 55 anos, fará uma vigília por justiça às portas do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nos próximos dias 14 e 15 de abril. O motivo é a prescrição do caso do assassinato de seu filho Maicon de Souza Silva, ocorrido em 1996. Na época, o garoto tinha apenas dois anos e foi atingido por um tiro de arma de fogo disparada por um policial militar em Acari. Apesar da autoria conhecida, ninguém foi responsabilizado até hoje.
De acordo com Zé Luiz, como é conhecido na comunidade, Maicon brincava na porta de casa na tarde do dia 15 de abril quando foi morto. Imediatamente o pai reagiu, mas nem a cobrança ao policial no momento do crime, tampouco a mobilização que liderou durante duas décadas foi suficiente para que os responsáveis fossem levados à justiça. Pelo contrário: aos policiais envolvidos foi concedida a gratificação faroeste (por produtividade) oito dias após a morte de Maicon.
De acordo com a organização Projeto Legal, que presta assessoria jurídica à família, as autoridades nunca levaram o caso adiante. Órgãos como a Procuradoria do Estado, a Auditoria Militar, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a Polícia Civil já receberam em 2016 pedidos sobre o andamento do caso com base na Lei de Acesso à Informação devido à iminência de prescrição, mas até o momento não houve respostas.
“A naturalização das mortes de crianças, adolescentes e jovens das periferias brasileiras pelo Sistema de Segurança Pública e de Justiça é uma constante. O caso do Maicon é o retrato do tratamento omisso e negligente com o qual o Estado trata as situações de violência praticadas por seus agentes”, afirma Thaisi Bauer, advogada do Projeto Legal.
O caso também segue em tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). O objetivo é denunciar a responsabilidade do Estado brasileiro na morte do Maicon e solicitar a reparação aos seus familiares. A organização Justiça Global é peticionária da ação.
Para Natália Damazio, advogada da Justiça Global, “o Estado permanece sendo negligente com o caso, não garantiu o acesso à justiça para a família e mesmo com indícios de autoria suficientes para que a ação penal continuasse, ainda sim, o Ministério Público optou pelo arquivamento, acatado pelo judiciário”. Ela destaca também que é uma oportunidade para debater a política de segurança pública e criar mecanismos para que casos como esse não se repitam, “principalmente com o fim das operações policiais com índices de letalidade e a postura conivente do Estado em relação ao assassinato de jovens negros no Brasil”, concluiu.
Os advogados apelam ainda a uma notificação extrajudicial ao governador do Estado, solicitando concessão de pensão, indenização e retratação. Este processo encontra-se neste momento na Secretaria Estadual de Direitos Humanos. A família chegou a receber uma indenização pela morte de Maicon, mas espera a resposta da tramitação de um novo pedido por omissões no andamento do processo, ausência de diligências investigativas básicas e erros na investigação e na perícia.
“O que me motiva a continuar lutando não é a compensação pela tragédia que minha família viveu, mas a justiça. Não quero acreditar que a morte de um inocente possa passar impune desta forma em nossa sociedade. A memória do meu filho merece respeito”, avalia José Luiz.
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Maicon de Souza Silva, morto aos 2 anos, enquanto brincava perto de casa.……..
O caso de Maicon foi retratado no relatório “Você matou meu filho – Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro”, lançado pela Anistia Internacional em 2015.
A análise dos dados e histórias reportadas no documento mostram que a Polícia Militar tem usado os registros de homicídios decorrentes de intervenção policial (autos de resistência) para encobrir execuções extrajudiciais cometidas por agentes da lei.
“É inadmissível que um policial mate um menino de 2 anos, e isso não seja investigado e responsabilizado. Mais absurdo ainda é o fato de que o Estado recompensou os policiais envolvidos, em um claro sinal de aprovação à letalidade das operações policiais. A impunidade de casos como os de Maicon alimenta a violência da polícia até hoje. Apenas em 2015 foram mais de 600 pessoas mortas por policiais em serviço, a maioria jovens negros moradores de favelas”, analisa Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional.