A Comissão Interamericana de Direitos Humanos considerou graves as violações à liberdade de expressão e aos direitos de povos indígenas e quilombolas denunciadas por organizações da sociedade civil, na terça-feira,  06 de outubro, no 177º período de audiências públicas da CIDH. Quatorze organizações solicitaram à CIDH a sessão “Impactos das violações ao direito à informação, nos grupos historicamente vulnerabilizados e marginalizados no Brasil”. Os representantes do governo brasileiro que estavam presentes na reunião negaram as acusações.

“Há inúmeras evidências de ataques a jornalistas e à liberdade de expressão, sobretudo contra repórteres mulheres. Vimos também que, ao longo desses meses de pandemia, a situação de vulnerabilidade de povos indígenas e quilombolas não foi suficiente para que o Estado brasileiro lhes garantisse direitos básicos, como acesso à saúde e assistência médica adequada, indispensáveis para que vidas fossem poupadas. As denúncias são parte de um esforço da sociedade civil organizada de trazer à luz essas violações de direitos, inaceitáveis”, aponta Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional.

A jornalista Ana Flávia Marques, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, criticou a falta de transparência nos dados sobre a pandemia, pelas autoridades públicas, e também expôs o aumento nos ataques à imprensa: “A postura do Estado brasileiro tem sido, infelizmente, a de aumentar a agressividade contra a imprensa, promover censura contra veículos e jornalistas e violar o direito ao acesso à informação, tirando do ar informações de interesse público sobre a pandemia”.

As organizações também denunciaram a violência de gênero sofrida por repórteres mulheres, com acusações graves sobre perseguições a jornalistas e ataques na internet de cunho misógino. “Campanhas de difamação, ao lado dos xingamentos contra jornalistas que cobrem o presidente no (Palácio da) Alvorada, e das agressões físicas em manifestações, funcionam como uma nova forma de censura”, observou Patrícia Campos Mello, repórter do jornal Folha de São Paulo.

Já a também jornalista Camila Konder, do Repórteres Sem Fronteiras, apontou que é preciso fortalecer o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos e incluir mais comunicadores no mesmo, diante do aumento da hostilidade e violência contra jornalistas. Um levantamento da organização Artigo 19 contabilizou 449 violações a jornalistas entre janeiro de 2019 e setembro de 2020.

“São ataques para desacreditar o jornalismo e semear na sociedade a desconfiança na imprensa. Estratégias de desinformação para controlar o debate público e restringir  a transparência que limita a circulação de informações que prejudicam o governo”, completou Camila.

Nesta mesma sessão, o editor-chefe da agência de notícias Alma Preta, Pedro Borges, apontou a necessidade de o governo brasileiro divulgar os dados sobre as mortes de negros na pandemia. Também foi apontada a omissão do Estado brasileiro para atender os direitos básicos de comunidades quilombolas, asseverando o racismo estrutural no Brasil. A mesma denúncia foi feita pela Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), no 45ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Em nosso país, a Covid-19 está escancarando ainda mais o racismo estrutural que sempre deixou as comunidades quilombolas à margem da sociedade. O governo Bolsonaro não fez nada para enfrentar a pandemia nos quilombos. As comunidades quilombolas enfrentam cenário de abandono. Fomos escolhidas para morrer: sem território, sem assistência à saúde, sem água, sem comida”, denunciou Sandra Andrade, Coordenadora Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

O Estado brasileiro negou as acusações e disse que vem promovendo a liberdade de expressão e a transparência de dados. Mas os comissionados presentes na audiência sobre liberdade de expressão consideraram graves as denúncias feitas sobre ataques à mídia e a jornalistas. A Comissionada Julissa Mantilla apontou que devem ser erradicados pelo governo os ataques e estereótipos de gênero utilizados contra jornalistas mulheres. Já o comissionado Stuardo Ralón considerou as violações de direitos relatadas como “retrocessos e censura”.

O Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH Pedro Vaca ressaltou que jornalistas tem sofrido um processo de estigmatização que pode levar à autocensura, fazendo com que comunicadores optem por não falar para se proteger.

Além da Anistia Internacional, outras 13 organizações também endossaram a denúncia de ataques à liberdade de expressão, entre elas, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Coalizão Direitos na Rede, Coding Rights, Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Instituto Vladimir Herzog (IVH), Repórteres sem Fronteiras (RSF) e Terra de Direitos.

Pandemia e povos indígenas

Na sessão sobre “Pandemia e povos indígenas da Amazônia”, representantes da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciaram o avanço da Covid-19 nas aldeias, a falta de assistência médica, as invasões de terras, o impacto da devastação nas terras indígenas e a falta de fiscalização ambiental. De acordo com dados da APIB, até 2 de outubro, faleceram 837 indígenas por Covid, havendo mais de 34 mil infectados e 158 povos atingidos.

Luiz Henrique Eloy, do povo Terena e advogado da APIB, ressaltou que em junho, a articulação ingressou com uma Arguição ADPF 709, que determinou ao governo brasileiro a instalação de barreiras sanitárias e a elaboração de um plano de enfrentamento à Covid para os povos indígenas. “A decisão está completando 3 meses e até agora o governo Bolsonaro não cumpriu efetivamente a decisão”, criticou Eloy.

Já Valéria Paye criticou o discurso oficial da liberação de atividades econômicas em territórios indígenas e denunciou as graves violações de direitos humanos decorrentes das invasões de terras indígenas por grileiros, madeireiros e garimpeiros.

“Os Yanomamis enfrentam a invasão em massa em seu território por mais de 20 mil garimpeiros e sofrem com a degradação ambiental e ameaça às suas aldeias e lideranças. Os Uru-Eu- Wau-Wau e os Karipuna de Rondônia, os Guajajara, do Maranhão e os Tembé do Pará, entre vários outros povos, estão enfrentando invasões de madeireiros e situação de extrema violência, que já resultou no assassinato de muitos, como Nenê Tembé, na semana passada, e Ari Uru-Eu-Wau- Wau no mês de abril”, expôs Valéria.

Mais uma vez, nessa sessão, os representantes do Estado brasileiro negaram as acusações e afirmaram defender os direitos dos povos indígenas no Brasil.

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