Os Estados devem assegurar que o Tratado Global de Comércio de Armas (TCA) faça jus à sua promessa de salvar vidas e proteger os direitos humanos dos efeitos devastadores do comércio internacional de armas, adotando medidas concretas e transparentes para uma aplicação mais eficaz, disse hoje a Anistia Internacional.

A Segunda Conferência dos Estados Partes do TCA tem lugar em Genebra, de 22 a 26 de agosto, e terá a participação de centenas de delegados de mais de 100 países. É um momento-chave para os Estados Partes prestarem conta uns aos outros quanto à aplicação do tratado e discutir maneiras de fortalecê-lo.

“O TCA tem o potencial de salvar milhões de vidas, o que torna especialmente preocupante quando os Estados que assinaram ou mesmo ratificaram o tratado parecem pensar que podem continuar a fornecer armas às forças que sabidamente cometem e facilitam crimes de guerra e emitem licenças de exportação mesmo quando existe o risco predominante de que essas armas irão contribuir para graves violações dos direitos humanos “, disse Brian Wood, gerente de Controle de Armas e Direitos Humanos da Anistia Internacional.

“Deve haver tolerância zero para os Estados que pensam que podem apenas fazer promessas vãs ao TCA A necessidade de uma aplicação mais eficaz é penosamente óbvia: do Iêmen para a Síria para Sudão do Sul, diariamente morrem crianças ou são terrivelmente mutiladas por bombas, civis são ameaçados e detidos à mão armada, e grupos armados cometem abusos com armas produzidas por países que se comprometeram pelo tratado. ”

Inescrupulosas transferências de armas

Os EUA, que assinaram o TCA, e Estados membros da UE que a ratificaram, incluindo a Bulgária, República Checa, França e Itália, continuaram a esbanjar armas de pequeno calibre, armas ligeiras, munições, veículos blindados e equipamentos de policiamento no Egito, apesar da brutal repressão aos dissidentes por parte das autoridades, que resultou na matança ilegal de centenas de manifestantes, milhares de prisões e relatos de tortura pelos detidos desde 2013.

Em 2014, por exemplo, a França emitiu licenças de exportação que novamente incluíam sofisticados veículos blindados Sherpa utilizados pelas forças de segurança para matar centenas de manifestantes na manifestação pacífica em Rabaa al-Adawiya, apenas um ano antes.

Armas adquiridas de signatários do TCA também continuaram a alimentar guerras civis sangrentas. Por exemplo, em 2014 a Ucrânia aprovou a exportação de 830 metralhadoras leves e 62 metralhadoras pesadas para o Sudão do Sul. Seis meses após a assinatura do TCA, as autoridades ucranianas emitiram uma licença de exportação em 19 de março de 2015 para fornecer ao Sudão do Sul um número não revelado de helicópteros operacionais de ataque Mi-24. Três desses helicópteros de ataque estão atualmente a serviço de forças do governo do Sul do Sudão, e já estariam aguardando a entrega de outro.

“Ao assinar o TCA, o governo da Ucrânia concordou em não tomar qualquer medida que prejudique o objetivo e a finalidade do tratado, o que inclui a garantia de que as armas não serão transferidas se houver conhecimento de que poderiam ser usadas ​​para crimes de guerra, incluindo ataques dirigidos contra civis. É impossível conciliar as decisões de exportação de armas da Ucrânia com o que está acontecendo no Sudão do Sul, onde foram atacados e mortos civis abrigados em hospitais e locais de culto e sob a proteção da missão de paz da ONU “, disse Brian Wood.

 “É igualmente difícil imaginar como os Estados-Partes do TCA da UE, depois de observarem a violenta repressão estatal no Egito, pudessem concluir que a transferência de armas para as forças de segurança interna ali, estavam em conformidade com as regras do Tratado.”

Lacunas na comunicação

 A continuada omissão de alguns Estados Partes de informar os detalhes de suas importações e exportações de armas é uma violação do tratado. O TCA requer dois relatórios específicos dos Estados Partes: um relatório inicial sobre as medidas tomadas para aplicar o tratado, incluindo disposições legislativas, regulamentares e outras medidas administrativas, com prazo até dezembro de 2015; e também um relatório anual sobre as exportações de armas autorizadas ou de fato, com prazo até 31 de maio de 2016.

 A Anistia Internacional está preocupada com o fato de que até 17 de agosto, 27% dos Estados Partes cujos relatórios estavam pendentes, não terem apresentado o relatório inicial de aplicação e 27% ainda estavam por apresentar o seu relatório anual sobre importações e exportações de armas.

 Atualmente, os Estados que aderiram ao TCA não estão explicitamente obrigados a apresentar seus relatórios publicamente, e o modelo de relatório provisório para as importações e exportações de armas contém um campo de marcação onde podem simplesmente indicar se gostariam de fazê-lo. Moldávia e Eslováquia optaram por manter confidencial o seu relatório anual sobre importações e exportações de armas.

 “O fato de os governos ainda poderem optar por ocultar detalhes de qualquer ou todas as suas exportações e importações de armas tornará praticamente impossível aos parlamentos, meios de comunicação e sociedade civil avaliarem se os objetivos fundamentais de direitos humanos estão sendo cumpridos”, disse Brian Wood.

 “Todos os Estados Partes devem apresentar os relatórios exigidos o mais rapidamente possível, tornar os relatórios públicos na internet, e explicar os motivos de eventuais atrasos.”

Garantias de uso final pelos importadores

A Anistia Internacional pede um requisito crucial para que os exportadores de armas não aprovem transferência de armas se os países importadores não derem garantias juridicamente vinculativas que garantam que os usuários finais dessas armas vão respeitar os direitos humanos e o estado de direito.

Atualmente, o impacto sobre os direitos humanos das transferências de armas não é devidamente avaliado em cada caso, como pretendia o TCA. Por exemplo, desde março de 2015, o Departamento de Estado dos EUA aprovou possíveis vendas militares dos equipamentos e apoio logístico para a Arábia Saudita no valor de mais de US$ 24 bilhões, e entre março de 2015 e junho de 2016 o Reino Unido aprovou a exportação do equivalente a £ 3,4 bilhões em armas para a Arábia Saudita. Estas aprovações foram dadas quando a coalizão liderada pela Arábia Saudita realizou ataques aéreos e terrestres contínuos, indiscriminados e desproporcionais contra civis no Iêmen, alguns dos quais podem ser considerados crimes de guerra.

 “Salvar vidas, o respeito pelos direitos humanos internacionais e o direito humanitário devem ser uma condição de garantia de uso final”, disse Brian Wood.

 “Garantias inequívocas de uso final também diminuiriam o risco de as armas serem transferidas ou desviadas para grupos não autorizados ou para usos finais involuntários e ilegais que poderiam violar o TCA.”

Contexto

Após 20 anos de decidido lobbying e campanhas da Anistia Internacional e ONGs parceiras, a Assembleia Geral da ONU votou decisivamente pela adoção do texto do Tratado de Comércio de Armas (TCA), em 2 de abril de 2013. O tratado entrou em vigor em 24 de dezembro de 2014, o que significa que tornou-se oficialmente uma lei internacional para todos os estados que o ratificaram ou aderiram.

O TCA é um tratado global que estabelece, pela primeira vez, as proibições para deter a transferência internacional entre Estados de armas, munições e artigos afins quando se sabe que seriam utilizados para cometer ou facilitar o genocídio, crimes contra a humanidade, ou de guerra.

As principais disposições de direitos humanos do tratado estão contidas no artigo 6, que proíbe transferências quando existirem preocupações com os direitos humanos, e no artigo 7, que estabelece uma avaliação do risco de que as armas exportadas possam ter “consequências negativas” para a paz, segurança, e os direitos humanos. O tratado não requer um “equilíbrio” de riscos de exportação, mas sim que os Estados Partes procedam a uma avaliação exaustiva dos riscos das “consequências negativas” de cada possível exportação.

Em pouco mais de dois anos após o tratado ter sido adotado, um expressivo número de 130 Estados assinaram, entre eles 43 membros que assinaram mas não ratificaram. Desconcertando as expectativas de alguns diplomatas, um total de 87 Estados ratificaram o tratado até agora, incluindo cinco dos dez maiores exportadores de armas: França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. No entanto, grandes comerciantes de armas, Rússia e China, não aderiram ao TCA e têm abastecido grandes violadores de direitos humanos.

Uma delegação de sete pessoas da Anistia Internacional vai estar presente na segunda Conferência dos Estados Partes em Genebra, fazendo lobby de questões-chave e recolhendo informações sobre a situação dos países que ainda não ratificaram ou aderiram ao Tratado.

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