O Mercosul foi fundado em 1991 como um acordo de comércio, com um Fórum Social formado inicialmente por empresários e sindicalistas. Ao longo destes 21 anos o espaço de participação cidadã aumentou muito, com a criação de reuniões especializadas em diversas políticas públicas, que ocorrem várias vezes por ano, e a participação de outros setores da sociedade civil. Entre os dias 3 e 6 de setembro a Anistia Internacional Brasil acompanhou a XXII Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul (RAADH), na qual o destaque foi a cooperação em verdade e memória histórica a respeito das violações de direitos humanos no período autoritário, em particular sobre a Operação Condor – tema de seminário realizado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e de um memorial que será construído na cidade de Porto Alegre.
O diálogo do Mercosul acerca da memória é especialmente importante para o Brasil, que só em 2012 instalou sua Comissão da Verdade, bem depois da Bolívia (1982), Argentina (1983), Uruguai (1985, com uma segunda em 2000), Chile (1990, com uma segunda em 2003), Peru (2000) e Paraguai (2003). Os países têm compartilhado sua experiência na RAADH e estabelecido as melhores práticas para o tema.
Por exemplo: a Argentina desenvolveu mecanismos sofisticados de atendimento psicológico para sobreviventes de torturas, que muitas vezes sofrem efeitos do trauma ao testemunhar sobre aquilo por que passaram, ou mesmo ao realizar exames que para outras pessoas são triviais, como um eletrocardiograma. Os argentinos também avançaram muito nas especializações de genética forense, que permitem a identificação de restos mortais das vítimas de desaparecimentos forçados.
Outro campo de cooperação são os arquivos. O Mercosul negocia um acordo para que os governos do bloco possam compartilhar de forma rápida e simples informações sobre o período autoritário – atualmente, isso só é possível por ordem judicial, em processos lentos. Diálogo fundamental para criar a lista completa das vítimas dos regimes militares da região e fornecer dados para as investigações da justiça.
O foco da cooperação é a Operação Condor, a coordenação da repressão política executada pelos governos autoritários sul-americanos na década de 1970. O seminário realizado na RAADH contou com presença de ativistas, acadêmicos e parentes das vítimas da Argentina, Brasil e Uruguai – com a experiência do Chile sempre presente, vários dos participantes viveram lá. O diálogo do Mercosul tem ajudado a desvendar a história da Condor, contrapondofatos descobertos em cada país.
Porto Alegre irá sediar um memorial sobre a Operação Condor, que funcionará como um centro de referência para a região. O Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos, órgão da RAADH, está com uma seleção aberta para contratar duas pessoas para pesquisar sobre arquivos relacionados a Condor. Os países do Mercosul também cooperam para a instalação de sítios de memória, museus e iniciativas semelhantes em locais onde ocorreram crimes contra a humanidade, como a Escola de Mecânica da Armada em Buenos Aires ou a chamada “Casa da Morte” na cidade brasileira de Petrópolis.
Mauricio Santoro é Assessor de Direitos Humanos, Anistia Internacional Brasil