Como o Libyan Red Crescent documentou uma operação de salvamento que talvez – apenas talvez – esteja relacionada ao desaparecimento do barco fantasma.
Meu nome é Magda Mughrabi, e como uma pesquisadora do Norte da África para a Anistia Internacional, eu venho documentando abusos de direitos humanos contra migrantes, requerentes de asilo e refugiados na Líbia desde 2013. Entre esses estão incluídos não somente raptos, mas extorsões e violência sexual por toda a rota de tráfico da África subsaariana em direção à costa libanesa, além da detenção arbitrária e a tortura nos mais diversos centros de detenção de migrantes do país. Desde que aprendi sobre o Navio Fantasma (Ghost Boat) lendo on-line e falando com sua tripulação, eu estive olhando para o caso e vendo o que eu posso descobrir.
Eu falei recentemente com o Chefe da Equipe de Gestão de Corpos do Libyan Crescent Society (LRCS, na sigla em inglês) em Trípoli – ele é responsável pelas operações entre Janzur e Garabulli – sobre a investigação. Ele tinha conhecimento somente dos incidentes que aconteceram no início de julho de 2014, no qual Mohamed Lagha ouviu pelo Chefe de Comunicação do LRCS, em sua entrevista de 18 de janeiro. Mas eu consegui mais detalhes nos processos burocráticos e investigativos.
De acordo com ele, os voluntários do LRCS recuperaram 22 corpos nas margens de Tajoura, entre 7 e 12 de julho de 2014. Esses corpos foram transferidos para o necrotério do Centro Médico de Trípoli, aonde – ele acha – amostras de DNA foram retiradas deles, de acordo com o procedimento padrão. O Departamento de Investigação Criminal, sob édige do Ministério do Interior, geralmente tira fotos dos corpos mortos e escreve um relatório oficial antes de permitir o enterro, e ele assumiu que isso é o que teria acontecido no caso de 7 de julho.
Os corpos então teriam sido enterrados no cemitério BIr al-Usta Milad por pessoas desconhecidas, e as sepulturas teriam sido numeradas para permitir a fácil identificação dos corpos.
A autorização para rever as fotos – se elas de fato foram tiradas – ou os pertences pessoais – se algum foi encontrado junto aos corpos – devem ser liberadas pelo escritório do Procurador-Geral. Quando eu perguntei sobre os relatórios de imprensa sobre os 150 corpos que apareceram na costa de Khom no final de julho de 2014, ele disse que não sabia nada sobre aquilo, mas explicou que o LRCS ainda não tem uma central de dados por enquanto, então sua área não estava ciente de corpos aparecendo ao leste de Garabulli.
Porém, é importante ressaltar que ele me disse que as operações de busca são documentadas na página do Facebook do LRCS.
Eu procurei entre os vários posts da página e achei fotos de duas buscas. Nas fotos da primeira operação, que aconteceu em 7 de julho de 2014, você consegue realmente ver um barco.
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De acordo com a postagem, o barco apareceu nas margens de Tajoura, próximo a uma base militar local. Treze corpos foram achados abaixo do convés e transferidos para o Centro Médico de Trípoli. O barco se parece com aqueles que são geralmente usados por contrabandistas no Mediterrâneo Central, e de acordo com a nossa experiência em documentar mortes no oceano, parecia ser possível que o barco tivesse capacidade de carga de até 243 pessoas. Obviamente, nós não sabemos se esse é o Navio Fantasma. Mas essas fotos poderiam ser evidências críticas.
A segunda operação documentada pela LRCS aconteceu em 11 de julho de 2014. A postagem menciona que foram achados três corpos, que eles acreditam ser do mesmo barco achado em 7 de julho.
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Eu ainda acho que falar com outras áreas do LRCS é essencial, e eu vou tentar conseguir mais informações do Promotor Público e do Departamento de Investigação Criminal responsável – embora eu duvide que eles realmente documentaram algo, já que os corpos foram achados apenas dias antes dos choques que engatilharam o atual conflito em Trípoli. Uma das razões pelas quais esse incidente poderia ter sido sobrelotado é o fato de que aconteceu na época do início do conflito. A autoridade central, que no período já estava enfraquecida pela miríade de milícias, teve, desde então, seu colapso na Líbia. Apesar dos esforços das Nações Unidas para abordar a violência e a atual crise política, a Líbia se mantém seriamente fragmentada. Dois parlamentos e dois governos continuam a lutar por legitimidade e por poder, e o Governo de Acordo Nacional, apoiado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ainda está para ser formado.
No meio do caos, o abuso de direitos humanos e de possíveis crimes de guerra parece não ter fim, já que são cometidos por todos os grupos armados e formações militares com impunidade completa. Desde meados de 2014, todos os lados usaram artilharia, morteiros, foguetes e armas antiaéreas, mesmo em áreas residenciais – e algumas vezes, a partir delas. Eles têm raptado e torturado civis por questões de nomes, tribos ou local de nascimento, além de assassinar detidos após serem capturados. Sem qualquer rede de proteção tribal ou social no país, os requerentes de asilos, refugiados e migrantes estão entre aqueles mais vulneráveis a abusos. Também são eles os mais fáceis de serem esquecidos.
O sistema de justiça na Líbia está quebrado, com muitos tribunais fechados ou operando de maneira esporádica devido a ameaças e intimidação de juízes e promotores. A polícia é incapaz de conduzir investigações, e centenas de vítimas de abusos de direitos humanos foram deixadas sem assistência. Muitos defensores e organizações internacionais de direitos humanos deixaram o país por razões de segurança.
Eu continuo achando inacreditável que 243 pessoas possam sumir sem rastros, mas me lembrei de que tudo é possível no caos líbio.