Mãe, mulher de negócios, esposa, ativista – Yorm Bopha é tudo isso. Mas acima de tudo, dizem seu marido e seu filho de 10 anos, ela é alguém que deixa saudades.
“Só consigo pensar na minha mãe,” diz Lous Lyhour. “Quero que ela saia logo, que venha pra casa.”
É um pedido simples, de um menino que sente muita falta de sua mãe. Mas ela não está fazendo compras nem trabalhando. A mãe de Lyhour está na cadeia, cumprindo uma pena de três anos por acusações forjadas contra ela.
Yorm Bopha era o alicerce da família e liderava a resistência de sua comunidade às remoções forçadas na área do Lago Boeung Kak, na região central de Phnom Penh, antes de ser presa e encarcerada em setembro de 2012. Sua forte defesa de outras 13 mulheres ativistas da comunidade, que, em maio de 2012, haviam sido presas após um protesto pacífico, chamou a atenção das autoridades cambojanas, que a ameaçaram e hostilizaram durante todo o período de sua mobilização.
Bopha vinha lutando para defender os direitos de sua comunidade desde 2010, quando juntou-se a um movimento formado majoritariamente por mulheres que se opunham às expulsões em massa na área do Lago Boeung Kak. “Seu ativismo era inspirador,” diz Lous Sakhorn, marido de Bopha. “Eu a apoiava e tinha muito orgulho dela. Seu ativismo tornou-se parte de nossas vidas.”
Sakhorn, porém, conhecia bem os riscos que a esposa corria em razão de suas atividades. “Eu me preocupava com ela. Falava: ‘Tenha cuidado. Não se mostre demais.’ E ela dizia, “Quero falar no microfone e não só estar no meio da multidão!” Claro que eu ficava muito preocupado, mas sempre a apoiava. Todos nos sentimos prejudicados quando tiraram nossos terrenos.”
20 mil pessoas removidas
Os problemas dos moradores do Lago Boeung Kak iniciaram em 2007, quando o terreno em que viviam foi arrendado para que uma empresa desenvolvesse ali um projeto imobiliário. Desde então, cerca de 20 mil pessoas foram expulsas de suas casas. Elas não foram consultadas sobre o empreendimento. Na verdade, ficaram sabendo do projeto por meio da televisão.
Em agosto de 2008, a empresa começou a jogar areia dentro do lago. Quando a água transbordou, as casas dos moradores foram destruídas. Muitas famílias recusaram-se a deixar a área e o movimento de resistência começou a crescer. Em fevereiro de 2012, o lago desapareceu embaixo dos montes de areia. As autoridades hostilizaram e ameaçaram os residentes, tentando fazê-los aceitar uma indenização irrisória ou a transferência para uma área distante de seus locais de trabalho e desprovida de serviços básicos.
As famílias restantes continuaram protestando e exigindo seu direito de manter as casas em que viviam. Em agosto de 2011, pensaram ter conquistado uma vitória. O Primeiro Ministro do Camboja alocou 12,44 hectares de terra no Lago Boeung Kak a mais de 900 famílias que residiam na área. Porém, as autoridades locais excluíram algumas dessas famílias, enquanto aquelas que conseguiram receber títulos da terra continuam sem acesso efetivo a ela. Sendo assim, prosseguiram tanto os protestos quanto as prisões.
Protegendo a comunidade
Um dia o ativismo de Bopha cobrou seu preço. Em setembro de 2012, ela e Sakhorn foram presos, acusados de planejar uma agressão contra dois homens suspeitos de roubo. Apesar de não haver qualquer evidência que os ligasse ao ataque, ambos foram condenados no mês de dezembro. Sakhorn recebeu uma sentença com pena suspensa; Bopha foi para a cadeia.
“O que ocorreu com Bopha é profundamente injusto,” lamenta Sakhorn. “Ela é uma mulher que estava tentando proteger a terra de sua família e de outras pessoas – de sua comunidade. Ela pensava na próxima geração. Não acreditamos mais em nosso país, nem em nossa lei. A lei se dobra à vontade dos poderosos.”
O tribunal exigiu que a família pagasse uma pesada indenização aos dois homens, o que deixou Sakhorn e Lyhour em uma situação financeira crítica. Como aponta Sakhorn, era Bopha quem sustentava a família. “Dependíamos dela”, diz ele. “Bopha cuidava dos negócios, vendendo roupas.” Sakhorn tem a saúde debilitada por graves problemas de pressão e não pode trabalhar.
A carga emocional gerada por essa situação deixou-o ainda mais fraco. “A prisão de minha mãe atrapalhou meus estudos,” diz Lyhour, que tinha nove anos quando Bopha foi presa.
“Ele simplesmente não quer mais ir à escola”, conta o pai. “Ele quer participar dos protestos em favor de sua mãe. Não posso negar – isso é resultado da dor que ele sente, e eu entendo bem isso.”
A dor de Sakhorn também é visível. “Éramos felizes, os três juntos. Costumávamos passear em frente ao palácio real, ir ao templo, andar pela cidade. Tenho lembranças muito felizes do que fazíamos juntos. Mas desde que ela foi presa, é como se nosso sentimento tivesse desaparecido. É como se tivéssemos perdido uma parte de nosso corpo – o nosso braço direito.”
O mundo deve saber
Neste momento, Yorm Bopha está detida em uma Prisão Judiciária nos arredores da capital Phnom Penh. Sakhorn e Lyhour têm permissão para visitá-la duas vezes por semana. “Ela está tranquila”, diz Sakhorn, “mas ficar na cadeia não é fácil. Ela divide uma pequena cela com outras sete pessoas.”
As dificuldades da prisão talvez estejam sendo um pouco amenizadas por ela saber que a comunidade está trabalhando por sua libertação. “O pessoal do Lago Boeung Kak nunca esquece de Bopha,” afirma Sakhorn. “Eles estão fazendo passeatas. Estão entregando abaixo-assinados para a Assembléia Nacional, para a Prefeitura, para o governo, para várias embaixadas e até para o Banco Mundial.”
E o que Sakhorn e Lyhour pensam do apoio da Anistia? “Estou muito satisfeito,” diz Sakhorn. “Esse apoio nos dá esperança de que minha esposa possa ser libertada. Isso significaria que foi feita justiça com o povo do Camboja. Mostraria que a justiça pode realmente existir.”
Entre em ação Escreva uma carta e mude a vida de Yorm Bopha
*Artigo publicado originalmente na revista Wire