A Anistia Internacional exorta a Assembleia Constituinte da Tunísia (ANC) a tomar medidas para garantir que a nova Constituição salvaguarde integralmente os direitos humanos e cumpra as obrigações da Tunísia sob o direito internacional dos direitos humanos.

Um segundo projeto para a nova Constituição foi disponibilizado em dezembro de 2012 para debate em 13 de janeiro de 2013. Os membros da Assembleia deveriam aproveitar a oportunidade para consagrar na Constituição o mais alto nível de proteção dos direitos de todos na Tunísia e demonstrar que não voltarão atrás no que se refere aos direitos humanos.

A Anistia Internacional saúda a remoção, no atual projeto, de propostas anteriores que minavam a igualdade de gênero, com o ambíguo texto sobre os papéis complementares desempenhados dentro da família, e sobre liberdade de expressão, com a criminalização de ataques à religião e a “valores sagrados”.

No entanto, a Anistia Internacional continua preocupada com várias disposições no projeto atual que desrespeitam normas e princípios de direitos humanos. Por exemplo, a supremacia do direito internacional dos direitos humanos sobre o direito nacional é debilitada pelo artigo 15 do projeto atual. A Anistia Internacional teme que isso permita à Tunísia renegar suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, e solicita a inclusão na Constituição de uma provisão reconhecendo que Tunísia deve defender os direitos humanos garantidos nos tratados internacionais de direitos humanos que ratificou.

O Artigo 16 do atual projeto, que garante o direito à vida no âmbito da lei tunisiana, também não o defende inteiramente, uma vez que a lei da Tunísia ainda permite a pena de morte.

A Anistia Internacional está também preocupada com várias cláusulas do projeto que estão redigidas de maneira vaga ou ambígua, com algumas garantias dos direitos humanos não bem definidas. No ano passado, a liberdade de expressão foi alvo de ataques e os direitos das mulheres foram debilitados na Tunísia. Portanto, é fundamental que a nova Constituição proteja totalmente esses direitos.

Em abril do ano passado, a Anistia Internacional fez uma proposta à Assembleia Nacional Constituinte com recomendações detalhadas para que a futura Constituição garanta a não discriminação, os direitos humanos fundamentais como a liberdade de opinião e de expressão, salvaguardas, tais como proteção contra a tortura, e a independência do Judiciário. Hoje, a Anistia Internacional reitera as recomendações que se seguem para a Assembleia Nacional Constituinte, já em destaque na sua apresentação de abril:

• Não discriminação

O Artigo 5 º do atual projeto, que afirma: “Todos os cidadãos, homens e mulheres igualmente, terão os mesmos direitos e obrigações e serão iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer tipo”, fere o princípio da não discriminação.

A não discriminação e a igualdade perante a lei deveriam ser estendidas para os não tunisianos e de fato qualquer pessoa sob a jurisdição das autoridades tunisinas. Além disso, o projeto deve ser alterado para especificar os fundamentos proibitivos de discriminação, incluindo raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

Além disso, a redação ambígua no artigo 37, que afirma: “O Estado deve garantir a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres relacionadas às várias responsabilidades.” e no artigo 8º, em relação à família, podem comprometer a igualdade entre mulheres e homens e não definem o significado de “igualdade de oportunidades”. A Constituição deve incluir uma disposição segundo a qual homens e mulheres sejam reconhecidos como iguais, com direito à plena igualdade na lei e na prática, e igualdade de oportunidades em todos os setores da vida, incluindo, sem limitação, as esferas civil, cultural, econômica, política e social.

• Liberdade de opinião e de expressão

O direito à liberdade de opinião e de expressão deve ser totalmente protegido, garantindo que as disposições do artigo 36 sejam totalmente compatíveis com o artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), e incluam que quaisquer restrições ao direito de liberdade de expressão sejam comprovadamente necessárias em uma sociedade democrática e proporcionais aos objetivos das restrições.

•  Independência do Judiciário

O Capítulo 5 do atual projeto relativo ao judiciário prevê certas garantias de independência do Poder Judiciário e enuncia alguns procedimentos e critérios para o mandato de juízes, e para o Conselho Superior da Magistratura, órgão que supervisionará os juízes. No entanto, essas disposições não são totalmente compatíveis com os requisitos do PIDCP, definidos no Comitê de Direitos Humanos, e nos Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência do Poder Judiciário. A Anistia Internacional insta a Assembleia Nacional Constituinte para garantir que as disposições da nova Constituição:

• Enunciem claramente que o Judiciário é totalmente independente do executivo, incluindo os membros do Conselho Superior da Magistratura;

•  Contenham procedimentos claros e justos e critérios objetivos para a nomeação, remuneração, estabilidade, promoção, suspensão e destituição dos membros do Judiciário e sanções disciplinares tomadas contra eles  que cumpram os requisitos do PIDCP, conforme definido pelo Comitê dos Direitos Humanos;

•   Especifiquem a duração, a independência, e garantia de estabilidade do mandato dos juízes;

•    Proporcionem um processo pelo qual uma adequada remuneração judicial, condições de serviço, pensões e idade de aposentadoria sejam determinados por uma entidade e um processo independentes do executivo;  e

•    Incluam disposições em que os juízes sejam nomeados com base na capacidade,  formação, e qualificações, sem discriminação por motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou de posição social.

• Direito à liberdade e direito a um julgamento justo

O atual projeto dá algumas garantias de proteção ao direito à liberdade e o direito a um julgamento justo nos artigos 18, 20 e 21, mas omite garantias específicas contidas no artigo 14 do PIDCP. A Assembleia Nacional Constituinte deveria especificar outras garantias, incluindo, mas não limitadas ao direito de ser imediatamente levado a um tribunal, e a julgamento num prazo razoável ou então ser libertado; garantias de acesso a meios eficazes de contestar a legalidade da detenção perante um tribunal e de ser libertado se a detenção for considerada ilegal; o direito de ter acesso confidencial a um advogado independente imediatamente após qualquer privação de liberdade, a fim de que o direito de contestar a legalidade da detenção seja acessível e eficaz na prática; o direito de presunção de inocência até que se prove a culpa de acordo com a lei; o direito a julgamento por um tribunal ordinário civil (tendo como única possível exceção o julgamento de membros das forças armadas em matéria de disciplina militar estritamente interna).

• Proibição de tortura

Os Artigos 17 e 23 protegem da tortura e outras formas de maus-tratos. No entanto, o atual projeto deveria ser alterado para prever uma definição de tortura em conformidade com o artigo 1º da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Isso incluiria: uma proibição explícita de castigos corporais; especificando que nada justificaria tal ato, sejam circunstâncias excepcionais, estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, nem qualquer ordem de um oficial superior; e garantia que nenhuma informação de qualquer tipo obtida por meio de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante seja admitida como prova em qualquer processo de qualquer natureza, exceto contra uma pessoa acusada de tortura e como prova de que a declaração foi obtida de tal forma.

• Estado de emergência

O Artigo 73º do atual projeto permite ao Presidente decretar estado de emergência sob certas condições. No entanto, o artigo não respeita inteiramente as normas internacionais sobre estado de emergência. A Anistia Internacional exorta a Assembleia Nacional Constituinte a assegurar que a Constituição estabeleça expressamente que não seja permitido, em nenhum momento, qualquer  relaxamento dos direitos humanos previstos na Constituição. Se, no entanto, a Tunísia decidir estabelecer na Constituição qualquer cláusula de isenção dos direitos nela previstos, as circunstâncias de derrogação condicionadas ao artigo 4 do PIDCP, os direitos listados pelo PIDCP e pelo Comitê de Direitos Humanos como irrevogáveis, e as limitações sobre medidas derrogatórias previstas no artigo 4 º do PIDCP e elaboradas pelo Comitê de Direitos Humanos, devem ser explicitamente incluídas na Constituição.

 Liberdade de circulação

Embora o artigo 18 do atual projeto garanta o direito de ir e vir livremente dentro do país, bem como o direito de deixar o país, não respeita plenamente o artigo 12 (3) do PIDCP, que protege a liberdade de circulação.

A Anistia Internacional apela à Assembleia Nacional Constituinte para assegurar que, na Constituição, as restrições ao direito de liberdade de circulação respeitem plenamente o artigo 12 (3) do PIDCP e de uma maneira compatível com outros direitos humanos, incluindo a igualdade e a  não discriminação; que estabeleça que qualquer pessoa sujeita à restrição do direito à liberdade de circulação tenha o direito de ser informada dos motivos da restrição e dos meios de contestá-la; e que ninguém seja arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país.

• Refugiados, solicitantes de asilo, e o princípio de não devolução [non-refoulement].

O atual projeto não inclui qualquer cláusula que preveja o direito de buscar asilo, e de proteger pessoas de serem transferidas para um país onde correriam risco de perseguição.

A Anistia Internacional condenou a extradição pelas autoridades tunisinas, em junho de 2012, do ex-primeiro-ministro líbio, Al-Baghdadi al-Mahmoudi, para a Líbia, o que o colocou em risco de graves violações dos direitos humanos e infringiu o compromisso da Tunísia no âmbito da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. É fundamental que a nova Constituição da Tunísia contenha disposições que protejam as pessoas da transferência, direta ou indireta, para um país onde estariam sob risco de perseguição. Em conformidade com as obrigações da Tunísia quanto aos direitos humanos, essa proteção deveria estender-se aos que não podem se beneficiar do status de refugiado sob a  Convenção de Refugiados da ONU, mas que precisam de proteção internacional devido a possíveis violações de direitos humanos, como  tortura ou outros maus-tratos ou desaparecimento forçado, quer no país de transferência ou em um terceiro país para o qual possam ser posteriormente transferidos.