Nos últimos cinco anos, a Anistia Internacional denunciou a tortura e outros maus-tratos em 141 países.
- Uma nova pesquisa global com mais de 21.000 pessoas de 21 países de todos os continentes revela que o medo de tortura está presente em todos esses países.
- Quase metade dos entrevistados temem ser torturados se forem detidos.
- Mais de 80% querem uma forte legislação que os protejam da tortura.
- Mais de um terço acredita que a tortura pode ser justificada.
A Anistia Internacional acusou os governos ao redor do mundo de atrasarem seus compromissos de acabar com a tortura, três décadas após a adoção pela ONU, em 1984, da inovadora Convenção contra a Tortura.
“Em todo o mundo os governos são hipócritas em relação a tortura: eles proíbem por lei, mas facilitam a sua prática”, disse Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Internacional, na apresentação da campanha Chega de Tortura!, lançada hoje (12) mundialmente.
“A tortura é crescente em muitas partes do mundo. O aumento no número de governos que buscam justificar a tortura, sob o pretexto da segurança nacional, corrói os constantes avanços feitos nesta área ao longo dos últimos trinta anos”, ressalta Shetty.
Desde 1984, 155 Estados ratificaram a Convenção contra a Tortura das Nações Unidas, dos quais a Anistia Internacional investiga 142. A organização observou que pelo menos 79 deles ainda estão torturando em 2014, o que representa mais da metade dos Estados Partes na Convenção investigados pela Anistia Internacional. Outros 32 Estados membros da ONU não aderiram à Convenção, apesar da proibição legal da tortura exigir que eles façam isso.
Nos últimos cinco anos, a Anistia Internacional denunciou a tortura e outros maus-tratos em pelo menos 141 países, de todas as regiões do mundo: quase todos os países sobre os quais trabalha. A natureza secreta desta prática faz com que o número real de países onde é provável que a tortura aconteça seja ainda maior.
Em alguns desses países, a tortura é rotineira e sistemática. Em outros, a Anistia Internacional documentou apenas casos isolados e excepcionais. A organização acredita que mesmo um único caso de tortura ou maus-tratos é totalmente inaceitável.
A campanha Chega de Tortura começa com uma nova publicação para a mídia: Torture in 2014: 30 Years of Broken Promises (Tortura em 2014: 30 anos de promessas não cumpridas), que fornece uma visão geral sobre o uso da tortura no mundo de hoje.
O relatório detalha várias técnicas de tortura – de posições de estresse e privação do sono a choques elétricos nos órgãos genitais – que são usadas contra suspeitos detidos por razões de segurança, opositores políticos e outros.
Como parte da campanha, a Anistia Internacional encomendou à GlobeScan uma pesquisa para avaliar atitudes em relação à tortura em todo o mundo. De forma alarmante, segundo a pesquisa, quase metade (44%) dos inquiridos – 21 países em todos os continentes – temem a possibilidade de serem torturados se forem detidos em seu país.
A grande maioria (82%) acredita que deveria existir leis claras contra a tortura. No entanto, mais de um terço (36%) ainda pensa que a tortura pode ser justificada em determinadas circunstâncias.
“Os resultados deste novo estudo global são surpreendentes, uma vez que quase metade dos entrevistados tem medo e se sentem pessoalmente vulneráveis à tortura. A grande maioria das pessoas acredita que deve haver regras claras contra a tortura, embora mais de um terço ainda pense que a tortura poderia ser justificada em determinadas circunstâncias. Mas no geral, você pode ver um amplo apoio da opinião pública mundial para a ação de prevenir a tortura”, disse Caroline Holme, diretora da GlobeScan.
Medidas como a criminalização da tortura na legislação interna, a abertura de centros de detenção para observadores independentes e filmagem dos interrogatórios levaram a uma diminuição do uso da tortura em países que de fato estão efetivando os compromissos relativos à Convenção contra a Tortura.
A Anistia Internacional apela aos governos para implementar mecanismos de proteção para prevenir e punir a tortura, como exames médicos apropriados, investigações eficazes rápidas sobre alegações de tortura, acesso rápido a advogados, verificações independentes sobre os centros de detenção, investigações independentes e julgamento dos supostos autores e reparação adequada às vítimas.
A luta global da Anistia Internacional contra a tortura continua, mas agora se concentra em cinco países onde a prática é generalizada e que a organização acredita que pode ter um impacto significativo. A espinha dorsal da campanha será composta de relatórios de fundo, com recomendações específicas.
No México, o governo afirma que a tortura é a exceção e não a regra, mas na realidade, os abusos por parte da polícia e forças de segurança são generalizados e impunes. Miriam Lopez Vargas, 31 anos, mãe de quatro filhos, foi sequestrada de sua cidade natal de Ensenada por alguns soldados à paisana e foi levada para um quartel militar. Ela ficou detida por uma semana, durante a qual ela foi estuprada por três vezes, sufocada e eletrocutada para forçá-la a confessar envolvimento em crimes relacionados ao tráfico de drogas. Já se passaram três anos, mas nenhum de seus torturadores respondeu seus atos perante a justiça.
A justiça está fora do alcance para a maioria dos sobreviventes de tortura nas Filipinas. Recentemente foi descoberto um centro de detenção secreto onde a polícia maltrata detidos “por diversão”. Segundo relatos, a polícia fazia girar uma “roda da tortura” para decidir como torturar detentos. A informação nos meios de comunicação levou a uma investigação interna e alguns oficiais foram demitidos, mas a Anistia Internacional pede investigação exaustiva, completa e imparcial que faça com que os policiais envolvidos sejam julgados pelos tribunais. A maioria dos atos de tortura cometidos pela polícia não são comunicados e sobreviventes de tortura continuam a sofrer em silêncio.
No Marrocos e Sahara Ocidental, as autoridades raramente investigam alegações de tortura. As autoridades espanholas extraditaram Ali Aarrass para o Marrocos, apesar da possibilidade de ele ter sido torturado. Ele foi pego por alguns funcionários da inteligência que o levaram a um centro de detenção secreto onde Aarrass diz que o aplicaram choques elétricos nos testículos, foi espancado nas solas dos pés e ficou horas pendurado pelos pulsos. Segundo Aarrass, a polícia o obrigou a confessar ter ajudado um grupo terrorista. Aarrass Ali foi condenado e sentenciado a 12 anos de prisão com base na “confissão”. Suas alegações de tortura nunca foram investigadas.
Na Nigéria, a polícia e o exército usam a tortura rotineiramente. Quando Moisés Akatugba foi preso pelos soldados tinha 16 anos. De acordo com seu depoimento, ele foi agredido e levou um tiro na mão. Ele foi entregue à polícia, que o prendeu pelos membros por horas em uma delegacia de polícia. Moisés diz que foi torturado para assinar uma “confissão”, no qual ele reconhecia ter participado de um assalto. A denúncia de que havia confessado sob tortura nunca foi investigada minuciosamente. Em novembro de 2013, após oito anos à espera de sentença, Moisés foi condenado à morte.
No Uzbequistão, a tortura é generalizada, mas poucos torturadores são levados à justiça para responder por seus atos. O país está fechado para a Anistia Internacional. Dilorom Abdukadirova passou cinco anos no exílio depois que as forças de segurança abriram fogo contra um protesto que ela compareceu. Em seu retorno ao Uzbequistão, foi presa, proibida de ver sua família e acusada de tentar derrubar o governo. Durante o julgamento, tinha um olhar abatido e hematomas no rosto. Sua família está convencida de que ela foi torturada.
“Trinta anos atrás, a Anistia Internacional liderou a campanha para um compromisso global de combater a tortura, após a Convenção contra a Tortura da ONU. Muitos avanços foram feitos desde então, mas é desanimador que ainda a precisemos de uma campanha global para garantir que essas promessas sejam cumpridas “, disse Salil Shetty.