Uma audiência online encerrou as atividades da campanha Nossas Vidas Importam, na tarde de 25 de setembro. Com a abertura e mediação de Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, participaram ainda 17 representantes de organizações que fazem parte da campanha e 5 autoridades convidadas para debater o tema.
A campanha apresentou, em maio, uma agenda de recomendações da Anistia Internacional e 39 organizações, com medidas urgentes e coordenadas para responder a crise da Covid-19 para populações vulneráveis, entre elas: moradoras e moradores de favelas e periferias, pessoas em privação de liberdade, incluindo jovens do sistema socioeducativo, população negra, pessoas em situação de rua, pessoas com condições de moradia inadequada, mulheres, cis e trans, quilombolas, povos indígenas, populações tradicionais, migrantes e refugiados, trabalhadores e trabalhadoras autônomas, principalmente informais, população LGBTQI, crianças, adolescentes e idosos. Após 6 meses de pandemia no Brasil, o trabalho conjunto das organizações durante a campanha expôs as lacunas do Estado no enfrentamentos da crise imposta pela covid-19 como a falta estrutural de políticas públicas que respondam as necessidades reais das populações historicamente vulnerabilizadas.
A Eliane Almeida da Rede Antirracista Quilombação falou da importância da criação de um plano emergencial de emprego e renda, e do fomento à criação de cooperativas de trabalho para o bem-estar das famílias negras das periferias. Igualmente, Bruna Benevides da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) expôs o alarmante aumento de 34% de suicídios de mulheres trans negras, durante o primeiro semestre do ano. Segundo ela, esse crescimento tem relação direta com o fato de que 90% das pessoas transexuais têm a prostituição como fonte de renda e não tiveram direito ao auxílio emergencial do governo.
Por outro lado, Antônio Eduardo Oliveira do Conselho Indigenista Missionário e o Subprocurador-Geral da República Sávio Dresch de Silveira repudiaram a fala do Presidente Jair Bolsonaro, na Organização das Nações Unidas (ONU) expressando com veemência que os povos indígenas não são os responsáveis pelas queimadas na Amazônia. E explicaram que a falta de acesso à saúde nas aldeias tem obrigado os povos indígenas a fecharem seus territórios para proteger as pessoas de morrerem por causa do vírus que já matou cerca de 800 indígenas, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
“Queremos repudiar com muita veemência a fala do Presidente da República na ONU e viemos a reafirmar nosso compromisso de humanismo tradicional sempre na defesa do meio ambiente, contrário ao que foi dito pelo presidente”, disse Sávio Dresch de Silveira – Subprocurador-Geral da República 6ª Câmara – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF
Luciana Araújo da Marcha das Mulheres Negras SP trouxe para audiência a problemática do não preenchimento da variável raça/cor no sistema de notificação da dos protocolos para Covid-19. “Índices de não preenchimento da variável raça/cor no sistema de notificação em abril foram de 49% para as pessoas internadas. Precisamos dos dados para cobrar políticas públicas”, explicou Luciana.
Sobre violência policial, Renata Trajano, do Coletivo Papo Reto explicou que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635) conseguiu diminuir a letalidade na favela com a suspenção das operações policiais, no Rio de Janeiro. Mas a medida não evitou velhas prática de intimidação por parte da polícia aos moradores. “A ADPF635 chegou e acredito que deveria ter chegado antes, porque evitaria diversas mortes, diversos problemas enfrentados nas periferias. Por três vezes as nossas ações foram interrompidas diretamente por conta da violência, por causa de tiroteios”, lembrou Renata.
No Ceará, a violência policial também foi um problema nesses 6 meses de pandemia. Mara Carneiro do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedecace) explicou que “no Ceará houve um aumento exagerado de mortes pela polícia durante o isolamento, 96 pessoas foram assassinadas pela polícia durante a crise da Covid-19”.
Outro grande desafio nas favelas foi convencer os moradores da gravidade da pandemia. “Uma resposta que tivemos que dar foi assumir a disputa da narrativa da doença, tomar conta de como nosso povo ia a entender a gravidade dessa doença no meio das muitas fakenews que chegavam”, Thuane Nascimento – Perifa Connection
Melisandra Trentin da Justiça Global trouxe a grave problemática da reiterada negligência no acesso à saúde no sistema carcerário. Ela apontou o déficit de 300 mil vagas e a superlotação que precariza ainda mais a vida das pessoas em privação de liberdade que também sofrem com a falta de assistência, de alimentação adequada, de kit básico de higiene e de testes. O mesmo ocorre com as mais de 220 mil pessoas em situação de rua, no Brasil. “70% das pessoas em situação de rua são negras e os serviços emergenciais foram insuficientes, centralizados e criaram aglomerações de 3mil pessoas, incrementando o risco de contágio”, disse Darcy Costa do Movimento Nacional de População em Situação de Rua.
Vários representantes das organizações da sociedade civil concluíram que a pandemia evidenciou e agravou a desigualdade social no Brasil e que a omissão e falta de ação do Estado atingiu grupos que já eram alvo de ataques em uma política de retirada de direitos sistemática.
Rennan Sotto Mayor, Defensor Público da União e Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos convocou o público a utilizar todas as formas, todo o espaço público e jurídico para estabelecer um diálogo com o Governo a fim de que o Estado dê uma resposta às exigências da sociedade. Nilma Bentes, do Centros de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), ressaltou a importância da voz das mulheres, hoje e sempre: “A metade da humanidade são mulheres e a outra metade são filhos delas, então acho que a voz das mulheres tem que ser ouvida”.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos no Senado, Senador Paulo Paim, reforçou a necessidade do Estado brasileiro de cumprir seu papel constitucional: “O Estado brasileiro tem que olhar para todos e efetivamente precisa dar respostas que a sociedade precisa para salvar vidas.”
Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, fechou a audiência chamando esse momento de frente de trabalho conjunto. E parafraseou a escritora Conceição Evaristo com um novo conceito: “Eles combinaram de nos desarticular e nós combinamos de manter a aliança em favor da vida”.