A tortura e os maus-tratos no México estão fora de controle, como demonstra o fato das denúncias terem aumentado em 600% na última década, segundo um novo relatório publicado pela Anistia Internacional. A organização pede ao governo mexicano que tome medidas urgentes para pôr fim ao uso persistente e generalizado da tortura por parte da polícia e das forças de armadas.
O relatório Fora de Controle: Tortura e outros maus-tratos no México analisa o preocupante aumento do uso da tortura e outros maus-tratos e a prevalência da impunidade e tolerância com estas práticas. Somente sete torturadores foram considerados culpados nos tribunais federais. E o número de perpetradores processados nos tribunais de âmbito estadual é ainda menor.
As autoridades não podem continuar de olhos fechados para a tortura. A incompetência de estabelecer garantias de prevenção à tortura e outros maus-tratos, junto com investigações tendenciosas sobre denúncias, na tentativa de minimizar a gravidade do abuso, são indicativos de um governo que não protege os direitos humanos”, afrima Erika Guevara Rosas, diretora da Anistia Internacional para a região das Américas.
“As autoridades não podem continuar olhando para o outro lado. O fato de que apenas se aplicam as salvaguardas para prevenir tortura e outros maus-tratos, e que as investigações sobre as denúncias frequentemente minimizem a gravidade dos abusos e estejam predispostas contra a pessoa denunciante, são uma clara indicação de que o governo não protege os direitos humanos. O alarmante aumento do uso da tortura significa que existe uma ameaça real de maus-tratos para qualquer pessoa no México. Em uma pesquisa encomendada pela Anistia Internacional, 64% dos mexicanos e mexicanas questionados declararam ter medo de sofrer tortura caso sejam postos sob custódia”, completa Rosas.
Este é o primeiro de uma série de cinco informes sobre países que serão publicados com a chamada: “Chega de Tortura”, campanha global da Anistia Internacional.
No relatório se explica em detalhes como, desde 2010 até o fim de 2013, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recebeu mais de 7.000 queixas por tortura e outros maus-tratos. Segundo informes recentes, em 2014 diminuiu o número de queixas. Apesar disso, continua sendo muito maior do que há 10 anos.
Vítimas procedentes de diferentes partes do país contaram à Anistia Internacional que foram objeto de surras, ameaças de morte, violência sexual, descargas elétricas e semi-asfixia nas mãos da polícia ou das forças armadas, frequentemente com o intuito de obter “confissões” ou para que incriminassem outras pessoas em crimes graves.
Ángel Amílcar Colón Quevedo sofreu tortura e abusos nas mãos da polícia e de membros das forças armadas devido à sua condição de migrante e sua origem racial. Ele é membro da comunidade afrodescendente de Honduras. Foi espancado, o asfixiaram com uma sacola plástica na cabeça, o desnudaram e o submeteram a tratamentos humilhantes e a insultos racistas. Ele permanece na prisão aguardando julgamento. Ángel foi acusado com base em uma declaração que o obrigaram a fazer após ser torturado. A Anistia Internacional declarou Ángel prisioneiro de consciência em julho de 2014.
O relatório da Anistia Internacional documenta os casos de mais de 20 pessoas que, como Ángel Colón, sofreram tortura nas mãos das autoridades no México.
Apesar de a lei proibir, o sistema de justiça penal continua admitindo provas obtidas em consequência de prisão arbitrária ou tortura. Isso não só facilita que continue se recorrendo à tortura e a outros maus-tratos, como também se traduz em julgamentos sem garantias e condenações duvidosas, minando ainda mais a credibilidade do sistema de justiça e os direitos humanos das pessoas acusadas em processos penais.
As escassas investigações oficiais que são realizadas sobre as denúncias de torturas costumam ser deficientes.
O procedimento pericial especial da Procuradoria Geral da República para investigar os casos de tortura e outros maus-tratos frequentemente descumpre as normas internacionais estabelecidas no Protocolo de Istambul. Apesar das deficiências, os promotores e juízes se baseiam nas investigações oficiais defeituosas e se negam a aceitar outras provas de investigações independentes.
“A ausência de investigações críveis e exaustivas sobre as denúncias de tortura envolvem um duplo abuso. Se as autoridades não recebem provas dos maus-tratos, as vítimas carecem da possibilidade de ressarcimento e não podem demonstrar que suas ‘confissões’ foram obtidas sob coação”, afirmou Erika Guevara.
“É hora de revisar a fundo a investigação das denúncias de torturas e outros maus-tratos, em especial a aplicação das normas internacionais reconhecidas do Protocolo de Istambul. As autoridades mexicanas também devem garantir que as provas recolhidas por peritos médicos independentes sejam admitidas nos procedimentos judiciais”.
O relatório assinala uma série de medidas que devem ser adotadas para prevenir, investigar e punir a tortura e outros maus-tratos. Em primeiro lugar, o governo deve reconhecer a verdadeira magnitude da tortura e comprometer-se publicamente a lutar contra esta grave violação dos direitos humanos como uma prioridade máxima.
Informação complementar
Desde 2010 até fins de 2013, a CNDH recebeu mais de 7.000 queixas por tortura e outros maus-tratos, mas nesse período a Procuradoria Geral da República só aplicou seu procedimento especial em 364 casos e concluiu que havia indícios de tortura em 26.
Desde 2006 até 2013, a Procuradoria Geral da República iniciou 1.219 investigações sobre denúncias de tortura e outros maus-tratos, mas somente apresentou acusações em 12 casos. Segundo dados do Conselho da Judicatura Federal, ocorreram apenas 7 sentenças firmes por tortura em aplicação da legislação federal. O índice de sentenças condenatórias é de 0,006 por cento. No âmbito estadual, a prevalência da tortura e da impunidade é ainda maior.
A Comissão Nacional dos Direitos Humanos não costuma realizar investigações completas e oportunas de todas as queixas que recebe, nem defende os direitos das vítimas como deve. Das 7.000 queixas que recebeu de 2010 a 2013, só emitiu recomendações públicas que confirmavam a tortura em 44 casos.
O Protocolo de Istambul é comumente conhecido como o Manual da ONU para a Investigação e Documentação Eficaz da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes. Foi elaborado em 1999.
Em fevereiro de 2014, o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, se reuniu com o presidente Enrique Peña Nieto e entregou um memorando exigindo uma série de ações para combater a impunidade e as graves violações dos direitos humanos no país.