O Tratado de Comércio de Armas (TCA) global, criado para regulamentar as pouco controladas transferências internacionais de armas que alimentam crimes de guerra e graves violações dos direitos humanos, enfrentará seu primeiro grande teste nesta semana, no México, declarou hoje (24) a Anistia Internacional.
A primeira Conferência dos Estados Partes do tratado, que ocorrerá em Cancún de 24 a 27 de agosto, contará com a presença de dezenas de Estados, inclusive alguns que não assinaram nem ratificaram o tratado desde sua adoção, em 2013. A Anistia Internacional, que fez campanha junto com ONGs parceiras por mais de duas décadas para tornar o TCA uma realidade, também estará presente na reunião.
“Cancun marca o primeiro grande teste para o Tratado de Comércio de Armas, e os Estados terão uma oportunidade importante de fazer história ao cumprir com os objetivos do tratado, que salvam vidas”, disse Marek Marczynski, chefe do programa de Segurança, Polícias e Forças Armadas da Anistia Internacional.
“Garantiremos que as negociações não se encerrem em burocracias nem percam de vista os princípios norteadores do TCA – regulação efetiva e transparente para acabar com o sofrimento humano causado pelos fluxos irresponsáveis de armas convencionais.”
Três grandes áreas nas quais a Anistia Internacional irá pressionar são:
· transparência em todos os aspectos do TCA, incluindo relatórios abrangentes dos Estados sobre a escala e o escopo de suas importações e exportações de armas;
· garantir que será permitido às ONGs participar de forma significativa de todas as reuniões e processos do tratado; e
· colocar em prática mecanismos que garantam que os Estados cumpram com suas obrigações relativas ao tratado, impedindo as transferências de armas para qualquer um que possa utilizá-las para graves violações do direito internacional, incluindo crimes de guerra e outras graves violações dos direitos humanos.
A transparência é um dos objetivos centrais do TCA, uma vez que o comércio mundial de armas tem sido, até agora, envolto em segredos. É também um dos principais meios de demonstrar que os Estados estão implementando o tratado, e ajudará a avaliar de que forma o TCA está sendo aplicado na prática.
Durante o período prévio à conferência do México, discussões em reuniões preparatórias focaram na contínua participação dos grupos da sociedade civil, bem como quais informações sobre as importações e exportações de armas os Estados devem relatar e disponibilizar ao público.
Alguns Estados estão tentando conter o papel da sociedade civil, restringindo significativamente sua participação em conferências futuras do TCA e tomando um número crescente de decisões estratégicas a portas fechadas, em sessões secretas.
A Anistia Internacional também está alarmada que os Estados têm tentado restringir os requisitos de informação do TCA a um mínimo. Isso significa que eles podem ser obrigados a reportar apenas o valor financeiro das transferências anuais, sem fornecer detalhes cruciais sobre o tamanho da remessa, o número de itens e uma prestação de contas de cada categoria de armas de pequeno porte e armamentos leves inclusos.
Detalhes sobre o destino final das armas e para que finalidade também seriam secretos, o que é informação crucial destinada a evitar o desvio das armas para os mercados ilícitos e para usuários finais não autorizados.
“Excluir a sociedade civil de algumas das mais importantes discussões e não disponibilizar ao público relatórios anuais sobre as importações e exportações de armas significará que ‘os negócios correrão como sempre’ – as transferências de armas permanecerão envoltas em segredos, minando o propósito do TCA. Não devemos permitir que isso aconteça”, declarou Marek Marczynski.
“Muito já foi conseguido por meio do trabalho da sociedade civil junto com os Estados para conquistar regras mundiais legalmente vinculativas sobre transferências internacionais de armas. Esperamos continuar a cumprir um papel construtivo conforme avançamos para a fase de implementação. Os Estados devem adotar requisitos abrangentes e transparentes para os relatórios, que deem uma visão completa do comércio mundial de armas.”
Histórico
Desde o início dos anos 1990, a Anistia Internacional tem feito campanha com ONGs parceiras para conquistar regras mundiais sólidas e legalmente vinculativas sobre transferências internacionais de armas para conter o fluxo de armas convencionais e munições que alimentam atrocidades e violações dos direitos humanos. Mais de um milhão de pessoas em todo o mundo se juntaram à campanha.
Em 2 de abril de 2013, 155 Estados votaram na Assembleia Geral da ONU para adotar o Tratado de Comércio de Armas. Este entrou em vigor como lei internacional vinculativa em 24 de dezembro de 2014, para todos os Estados membros.
Cinco dos dez maiores exportadores de armas – França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido – estão entre os 72 Estados em todo o mundo que já ratificaram o TCA. Os Estados Unidos, de longe o maior produtor e exportador de armas, estão entre os outros 58 países que assinaram, mas ainda não ratificaram o tratado. Outros grandes produtores de armas, como China, Canadá e Rússia, têm resistido a assinar ou ratificar o tratado.
O TCA inclui uma série de regras sólidas para interromper o fluxo de armas para países quando se sabe que as armas seriam utilizadas para genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra. Os governos que fazem parte do TCA agora terão de realizar avaliações objetivas para evitar um risco primordial de que uma exportação de armas seja utilizada para cometer graves violações do direito humanitário internacional ou do direito internacional dos direitos humanos.
As transferências internacionais de armas são envoltas em segredo, mas o valor do comércio mundial é estimado em cerca de US$ 100 bilhões anualmente.
A Anistia Internacional continua a documentar e expor transferências irresponsáveis de armas que contribuem para ou facilitam graves violações.
Isso inclui armas e munições predominantemente fabricadas na Federação Russa/ ex-União Soviética, Bielorrússia, Ucrânia e China transferidas para o Sudão e, em consequência, utilizadas por todos os lados dos conflitos no Cordofão do Sul e em Darfur, bem como no vizinho Sudão do Sul. No Cordofão do Sul, a Anistia Internacional recentemente documentou uma série de ataques indiscriminados a áreas civis, incluindo hospitais e escolas, de natureza e escala que constituem crimes de guerra e possivelmente crimes contra a humanidade.
No Iraque e na Síria, a proliferação desenfreada de armas tem levado ao desvio das transferências de armas para o grupo armado autodenominado Estado Islâmico e outros grupos armados. Essas armas estão sendo usadas para facilitar execuções sumárias, desaparecimentos forçados, estupro e tortura, entre outras graves violações dos direitos humanos. A disseminação de armas e munições – a maioria armas de pequeno porte e armamento leve da era do Pacto Soviético/Varsóvia, veículos blindados e artilharia que remontam aos anos 1970 e 1980 – causou um impacto incalculável sobre a população civil, criando grandes fluxos de desalojados internos e refugiados, impedindo o acesso à ajuda humanitária e exacerbando a violência de gênero.
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