Milhares de requerentes de asilo – incluindo crianças não acompanhadas – estão sofrendo abusos violentos,sujeitos a retornos forçados e a detenções ilegais nas mãos das autoridades húngaras e de um sistema deliberadamente criado para os impedir de entrar e permanecer no país, revela novo relatório da Anistia Internacional publicado nesta terça-feira, 27 de setembro.

“Stranded hope: Hungary’s sustained attack on the rights of refugees and migrants” (Esperança perdida: o ataque continuado da Hungria aos direitos de refugiados e migrantes), publicado com o pano de fundo da campanha tóxica para o referendo na Hungria, no próximo dia 2 de outubro, sobre as cotas de acolhimento de refugiados no espaço europeu, mostra como centenas de requerentes de asilo são deixados meses à espera de decisões das autoridades e em condições degradantes. Muitos dos que conseguem entrar na Hungria acabam sendo forçados a voltar para a Sérvia ou são mantidos de forma ilegal em centros de detenção.

 “O primeiro-ministro [húngaro, Viktor] Orbán, substituiu o Estado de direito pela lei do medo. As tentativas para deliberadamente impedir refugiados e migrantes de chegarem à Hungria têm sido acompanhadas por um  padrão cada vez mais perturbador de ataques contra estas pessoas e contra as salvaguardas internacionais criadas para as proteger”, critica o diretor da Anistia Internacional para a Europa, John Dalhuisen.

Este perito da organização de direitos humanos sublinha que “o tratamento terrível e o labirinto nos procedimentos de asilo constituem uma manobra cínica para impedir os requerentes de asilo de passarem nas fronteiras húngaras cada vez mais militarizadas”. “No contexto da campanha tóxica para o referendo, a retórica venenosa antirefugiados está atingindo o auge”, descreve.

O relatório “Esperança perdida” assenta em investigações feitas na Sérvia, na Hungria e na Áustria e em entrevistas com 143 pessoas, a maioria refugiados e migrantes. Os testemunhos prestados revelam as condições chocantes com que são confrontados aqueles que tentam entrar e atravessar o território húngaro, país onde as entradas irregulares foram criminalizadas e o direito a requerer asilo é extremamente restrito.

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Em setembro de 2015, a Hungria finalizou a construção de uma extensa cerca ao longo da fronteira com a Sérvia (posteriormente estendida também à Croácia) e foi aprovada uma lei para acelerar a avaliação dos pedidos de asilo. Foram criadas “zonas de trânsito” em duas passagens fronteiriças – contentores de metal onde são processados os requerimentos de asilo e, simultaneamente, mantidas em detenção as pessoas cujos pedidos estão sendo avaliados. Apenas 30 pessoas são admitidas por dia nestas “zonas de trânsito”, deixando centenas a definharem em condições degradantes junto à fronteira ou em centros sobrelotados na Sérvia. Quando os investigadores da Anistia Internacional estiveram na fronteira entre os dois países, encontravam-se ali mais de 600 pessoas abrigadas em campos improvisados, muitas delas há muitos meses.

Um requerente de asilo oriundo do Afeganistão, e cuja mulher teve de ser carregada durante grande parte da viagem, foi entrevistado pela equipa da Anistia Internacional no campo situado na vila sérvia de Horgoš, junto à principal fronteira com a Hungria: “Estamos aqui há 22 dias e nada indica que nos permitam atravessar [a fronteira] amanhã”. Um outro requerente de asilo, que estava no mesmo campo há 18 dias, acrescentou: “Fugimos da guerra, fugimos da dor. Por que é que as pessoas aqui na fronteira nos tratam como se fossemos animais?”

Com o processo formal de requerimento de asilo extremamente restrito, alguns requerentes tentam passar a fronteira para a Hungria de forma irregular. Uma lei, aprovada em junho de 2016, permite que sejam levados de novo para a Sérvia todos os requerentes de asilo que sejam encontrados em território húngaro em zonas de até oito quilômetros de distância da cerca fronteiriça. As pessoas detidas etsão ilegalmente sujeitas a “retornos forçados” sem nenhuma ponderação das suas necessidades de proteção ou especiais vulnerabilidades.

As estatísticas oficiais indicam que, desde que esta nova legislação foi aprovada na Hungria, a nova prática de retornos forçados substituiu largamente os procedimentos formais penais aplicáveis às entradas irregulares no país.

Algumas das testemunhas entrevistadas pelos investigadores da Anistia Internacional disseram que foi usada força excessiva durantes estes retornos forçados, com requerentes de asilo espancados e perseguidos por cães.

Um requerente de asilo disse ter assistido a polícia bater num homem que tinham interceptado ao tentar passar pela fronteira. Um dos polícias avisou todos que estavam presentes: “Podemos fazer o que quisermos e se vocês se queixarem ninguém os ouvirá”.

 Um rapaz de 17 anos descreveu que foi interceptado pela polícia húngara depois de passar a fronteira quando já se encontrava a uns dez quilômetros dentro do território. “Um homem no grupo foi golpeado com tanta força que ficou com um pé partido”.

Nas chamadas “zonas de trânsito”, os homens que viajam sem família são detidos ilegalmente por períodos que chegam a quatro semanas. Os requerimentos de asilo da maior parte destes homens são considerados inadmissíveis com base no argumento de que chegaram vindos da Sérvia, que as autoridades húngaras consideram um “país inferior”. E como a Sérvia não os recebe formalmente nem tão pouco lhes providencia acesso a processos de asilo justos e individualizados, àqueles que são obrigados a recuar das “zonas de trânsito” húngaras para território sérvio não resta praticamente nenhuma outra opção senão a de tentarem uma rota diferente para chegarem à União Europeia.

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Os requerentes de asilo que passam com sucesso pelas “zonas de trânsito” são levados para centros de asilo, abertos ou fechados, onde as condições são terríveis. Estes centros não dispõem dos serviços mais básicos, mal proporcionam ensino e atividades às crianças, assim como cuidados de saúde. A Anistia Internacional recolheu provas de que algumas crianças não acompanhadas são alojadas junto a adultos.

A falta de tradutores e procedimentos de requerimento de asilo morosos e complexos resultam frequentemente em obstáculos intransponíveis para os requerentes fazerem valer as suas pretensões de asilo.

A detenção das pessoas é uma prática rotineira: quando os investigadores da Anistia Internacional visitaram o país, quase 60% dos mil e duzentos requerentes de asilo registados na Hungria estavam em centros de detenção. Um requerente de asilo de origem afegã contou à equipe da organização de direitos humanos: “Quando cheguei aqui pensei que a Hungria é na Europa e por isso talvez ficasse bem. Mas percebi que nos odeiam aqui”.

Apesar de repetidos pedidos, não foi permitido aos investigadores da Anistia Internacional visitarem o centro de detenção de asilo em Kiskunhalas. Ainda assim, a equipe conseguiu entrevistar várias pessoas que estiveram detidas e as quais reportaram terem ocorrido espancamentos e ameaças de violência por parte de polícias e de seguranças naquele centro.

 Um requerente de asilo afegão contou para a Anistia Internacional que cerca de 30 pessoas foram espancadas durante os quatro meses em que esteve no centro de detenção em Kiskunhalas. E um requerente de asilo de origem palestina reportou, por seu lado, que “a polícia e os seguranças sabem que há muitas câmeras [de segurança] e, por isso, levam-nos para um local onde não se vejam as agressões”.

A escala do sofrimento dos refugiados e requerentes de asilo nas fronteiras húngaras e dentro da Hungria, e as reformas legislativas à lei de asilo no país, conduziram à abertura, em dezembro de 2015, de um procedimento de infração por parte da Comissão Europeia. Este processo está ainda em curso.

“Em vez de se mostrar envergonhado com a exposição das flagrantes violações da lei internacional feitas pela Hungria, o primeiro-ministro Orbán exalta-as orgulhosamente como um exemplo que entende que deva ser seguido por outros países. Permitir que isto continue sem contestação resultará em crescente miséria para pessoas vulneráveis que fogem de conflitos”, avalia John Dalhuisen.

O diretor da Anistia Internacional para a Europa pede reiteradamente que os “líderes europeus se organizem, não se  ‘Orbánizem’”. “Se fracassarem na contestação firme às violações da lei da UE cometidas pela Hungria, irão fortalecer os xenófobos e os populistas, o que pode resultar numa séria ameaça estrutural ao Estado de direito e ao respeito pelos direitos humanos”, finaliza.

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