A seguir, um relato da Faixa de Gaza em primeira mão por Donatella Rovera, Assessora Sênior de Resposta a Crises. O cessar-fogo começou às 21h do dia 21 de novembro.
As crianças estão brincando no lado de fora de novo, apesar da chuva torrencial. Elas estiveram presas dentro de casa durante os oito dias dos incessantes bombardeios israelenses.
Quando os ataques acabaram, para além de 160 pessoas tinham morrido – incluindo mais de 30 crianças e muitos outros civis desarmados.
Durante a duração dos bombardeios, estavam dentro dos prédios – em casa, abrigados com parentes, ou em escolas que a agência de refugiados da ONU transformou em abrigos temporários para milhares de famílias forçadas a deixar seus lares por causa dos bombardeios.
Não que ficar dentro de casa fosse necessariamente seguro. Muitos morreram ou foram feridos em seus lares ou nos dos vizinhos quando as bombas caíram.
Na Cidade de Gaza descobri membros de luto da família al-Dalu escavando entre os escombros à procura dos corpos de seus parentes mortos quatro dias antes, quando um caça israelense bombardeou sua casa.
Ninguém na sua casa sobreviveu ao ataque que levou 12 vidas, incluindo todos os 10 membros da família al-Dalu que estavam no prédio na ocasião. Cinco crianças, quatro mulheres e o pai de quatro dos meninos.
Abalado pela dor, o dono da casa, um homem de fala suave com cerca de 55 anos, me contou sobre sua perda, listando os nomes daqueles que ele perdeu:
“Minha esposa, Tahani, 52, minhas duas filhas, Ranin, 25 e Yara, 16, meu filho Mohamed, 29, sua esposa Samah, 25 e seus quatro filhos – uma menina de sete chamada Sara e três garotos, Jamal, Yousef e Ibrahim, com cinco anos, quatro anos e nove meses; e minha irmã de 75 anos, Suhaila, que estava numa cadeira de rodas”, ele disse.
“Deixei a casa pela manhã com meu filho, Abdallah e fomos ao supermercado, porque estávamos sem comida. Minha esposa depois me telefonou e me pediu para levar brinquedos para as crianças, para distraí-las do bombardeio.”
“No início da tarde eu estava rezando antes de voltar para casa, quando terminei meu filho chorava. Ele disse que vizinhos tinham ligado dizendo que nossa casa fora bombardeada. Corremos de volta e encontramos uma pilha de destroços onde era nosso lar.”
“Não houve sobreviventes. Perdi tudo o que me era mais caro. Por quê? Minha esposa, filhos, netos e minha irmã paralítica eram terroristas? Eles feriram Israel de algum modo? Quero justiça, e nada mais; apenas justiça. O Tribunal Penal Internacional deveria cumprir seu dever de modo a que os responsáveis por esses crimes sejam punidos.”
No prédio ao lado, dois vizinhos – uma mulher de 79 anos e seu neto – foram mortos ao serem esmagados pelas paredes que desabaram da casa dos al-Dalu. Outros na família ficaram feridos.
Em outro bairro, o menino de cinco anos Mohammed Abu Zur e duas de suas tias foram mortos e 25 outros parentes, 15 deles crianças, ficaram feridos quando sua casa foi bombardeada. Eles são vítimas do chamado “dano colateral” provocado por ataques imprudentes que Israel lançou contra áreas residenciais densamente povoadas.
Eles sabiam que era quase certo matar e ferir civis desarmados que não estavam envolvidos no conflito, provocar destruição e danos muito além de seus alvos.
E todos esses casos não são excepcionais. Nos poucos dias em que estive aqui em Gaza investiguei muitos outros incidentes de crianças e outros civis desarmados mortos e feridos pelos bombardeios israelenses entre 14 e 21 de novembro.
Mais uma vez, os civis arcaram como o fardo. A impunidade para aqueles responsáveis por ataques similares no passado sem dúvida contribuiu para sua recorrência durante esta última escalada do conflito. O que é preciso agora é uma investigação independente para garantir que as vítimas não fiquem novamente sem justiça e reparação.