Em questão de dias, as autoridades francesas passarão a ter amplos poderes para monitorar pessoas on-line e off-line, após a mais alta autoridade constitucional do país endossar todas as seções (à exceção de três) de uma nova lei de vigilância, disse a Anistia Internacional.
O governo francês apressou a tramitação no Parlamento da Lei de Inteligência após os atentados de Paris no início deste ano, ignorando a forte oposição de grupos de direitos humanos, juízes, empresas de tecnologia, sindicatos, advogados e parlamentares, bem como a crítica de organismos internacionais ligados aos direitos humanos.
“A decisão de ontem à noite (24/7) elimina o último obstáculo para a efetivação de uma lei que vai se constituir como um grande golpe para os direitos humanos na França. As medidas de vigilância autorizadas por esta lei são totalmente desproporcionais. Grande parte da população da França pode em breve encontrar-se sob vigilância por razões obscuras e sem aprovação judicial prévia”, disse Gauri van Gulik, diretor-adjunto da Anistia Internacional para a Europa e Ásia Central.
“A vigilância em massa nos EUA e no Reino Unido por parte das agências de segurança foi denunciada mundialmente, apesar disso, as autoridades francesas parecem querer imitar os seus homólogos americanos e britânicos ao permitir que as autoridades interceptem e acessem as comunicações das pessoas de acordo com sua vontade.”
A decisão ocorreu apenas dois dias após o Comitê de Direitos Humanos da ONU, encarregado de fiscalizar o compromisso da França com suas obrigações do tratado, ter criticado a lei que dá ao governo francês “poderes de vigilância excessivamente grandes”. Ao contrário do que citou a ONU, o Conselho Constitucional não revogou a possibilidade do Primeiro-Ministro, e não um juiz, poder autorizar a vigilância, nem estabeleceu normas relativamente à legalidade dos objetivos para os quais a vigilância é permitida conforme listado na lei.
Os principais problemas com a lei em vigor incluem:
· Ela permite que o Primeiro-Ministro autorize medidas de vigilância intrusiva para objetivos amplos e indefinidos, como “importantes interesses de política externa”, proteção de “interesses econômicos, industriais e científicos” da França e prevenção de “violência coletiva” e “delinquência organizada”.
· Ela permite o uso de instrumentos de vigilância em massa que interceptam telefonemas de celulares e “caixas pretas” (tendo em vista a luta contra o terrorismo) em provedores de serviços de internet que coletam e analisam os dados pessoais de milhões de usuários de internet.
· A falta de fiscalização independente: em vez de obter a aprovação de um juiz, o Primeiro-Ministro só precisa ouvir a opinião de um novo órgão, a “Comissão Nacional de Técnicas de Controle Inteligentes”, sem qualquer necessidade de respeitá-la.
· Vai ser muito difícil, se não impossível, para as pessoas descobrir se estão sendo espionadas ilegalmente ou para que delatores possam expor o abuso dos poderes de vigilância.
O Conselho Constitucional derrubou uma das seções mais excessivas da lei, ligada à vigilância das comunicações internacionais, que teria permitido a intercepção de comunicações “enviada ou recebida” do estrangeiro. A Anistia Internacional alertou que isso poderia incluir praticamente todas as comunicações da internet. Ele também derrocou uma seção que teria permitido que as agências de inteligência pudessem efetuar vigilância sem qualquer autorização, mesmo do Primeiro-Ministro em caso de “ameaças urgentes”.
“Esta lei é uma violação flagrante dos direitos humanos internacionais à privacidade e à liberdade de expressão. Alguém investigando as ações do governo ou de empresas francesas, ou até mesmo organizando um protesto, podem ser submetidos a formas extremamente intrusivas de vigilância. Instrumentos de vigilância em massa, incluindo as “caixas pretas”, colocariam as comunicações via internet de toda a população e de outras partes do mundo ao alcance das autoridades francesas”, disse Geneviève Garrigós, dirigente da Anistia Internacional França.