A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu a favor da comunidade indígena Sarayaku, da Amazônia equatoriana, no que a Anistia Internacional chamou de uma vitória-chave para povos indígenas.

A decisão da CIDH no caso  Sarayaku vs. Ecuador  foi anunciada no dia 25 de julho e encerrou longa batalha jurídica do povo indígena Sarayaku – apoiado por seu advogado Mario Melo e pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) – iniciada depois que uma empresa petrolífera estrangeira foi autorizada a se instalar em suas terras tradicionais no começo da década de 2000, sem que houvesse consulta aos Sarayaku.

Em sua comunidade, o líder indígena José Gualinga celebrou: “Os Sarayaku estão extremamente satisfeitos com esta vitória, obtida graças aos esforços de nosso povo e à ajuda e solidariedade de organizações dedicadas aos direitos dos povos indígenas.”

Mario Melo, o advogado da comunidade explicou que “essa sentença favorável aos Sarayaku é fruto de um longo esforço por parte das pessoas da comunidade, que foram atores-chave em cada passo do processo. Isso já basta para que esta decisão seja reconhecida como um marco na luta em andamento dos povos indígenas para afirmar seus direitos”.

A CIDH concluiu que o Estado do Equador violou os direitos da comunidade em ser consultada, bem como os direitos de propriedade comunal e sua identidade cultural.

O tribunal sediado na Costa Rica também afirmou que o Equador é responsável por colocar em risco a vida e a integridade física dos Sarayaku, depois que a empresa petrolífera instalou mais de 1.400 Kg de explosivos de alta potência no território desse povo indígena.

“Esta sentença terá um efeito de longo alcance em países das Américas – ela torna claro, de modo cristalino, que o Estado tem a responsabilidade de levar adiante processos de consulta especial antes de iniciar projetos de desenvolvimento que afetam povos indígenas e seus direitos”, disse Fernanda Doz Costa, pesquisadora da Anistia Internacional em Direitos Sociais, Econômicos e Culturais nas Américas.

“A decisão estabelece em detalhes como as consultas devem ser realizadas: de boa fé, por meio dos procedimentos culturais adequados, com o objetivo de chegar a um consenso. Desse modo, a exploração ou extração de recursos naturais não pode ser feita às custas dos meios físicos e culturais pelos quais a comunidade indígena sobrevive em sua própria terra.”

A sentença da CIDH vem em momento crucial, quando povos indígenas ao longo das Américas têm sido privados de seu direito de ter sua voz ouvida em decisões que com frequência têm consequências devastadoras para sua sobrevivência.

Governos em muitos países das Américas continuam a planejar e construir rodovias, oleodutos, barragens hidrelétricas e minas a céu aberto, dentro e próximo a territórios indígenas – sem obter seu consentimento prévio, dado em liberdade e com acesso à informação.

José Gualinga está convencido que a vitória dos Sarayaku terá impacto em toda a região.

“Vigiaremos para garantir que a sentença seja cumprida e que os territórios dos povos indígenas no Equador e nas Américas sejam respeitados diante das atividades extrativas danosas, como exploração de petróleo. Vida longa aos Sarayaku e aos povos indígenas do continente!”, ele disse.

A Anistia Internacional saúda o Equador por ter aceitado a responsabilidade do Estado nesse caso – que reconheceu no último mês de abril – e que, de acordo com relatos da mídia, o Estado já anunciou que irá cumprir a decisão da CIDH.

A Anistia Internacional convoca o Equador a cumprir as determinações da CIDH – em particular quando realizar futuros leilões para exploração de petróleo, deve primeiro respeitar seu dever em consultar os Sarayaku e outros povos indígenas cujos territórios podem ser afetados. Além de ocorrer previamente, essas consultas devem ser feitas de modo apropriado, de acordo os padrões internacionais relevantes, incluindo aqueles estabelecidos pela CIDH no caso Saramaka vs. Suriname em 2007.

“As consultas não podem consistir simplesmente em compartilhar decisões que já foram tomadas. Em vez disso, o Equador precisa fazer um esforço real em estabelecer um diálogo aberto e honesto, baseado em confiança mútua e respeito, e com o objetivo de chegar a um consenso – isso significa não impor nada aos povos indígenas, nem seguir adiante com projetos que irão afetar de modo substancial seus direitos”, disse Fernanda Doz Costa.

“A prática preocupante documentada pela Anistia Internacional em relatório recente de usar qualquer ferramenta disponível para desencorajar as pessoas de dar voz à sua crítica aos projetos que atingirão seu ambiente e terras, e desacreditar e atacar líderes indígenas, certamente não conduz ao diálogo de boa fé ordenado pelo tribunal.”

A Anistia Internacional solicita aos outros estados nas Américas implementar providências imediatas e decisivas para melhorar a situação de centenas de outros povos indígenas que enfrentam problemas semelhantes àqueles dos Sarayaku.  Tais ações devem incluir medidas básicas para evitar violações similares de direitos humanos no futuro, elaborando legislação sobre consultas, treinando funcionários governamentais e abrindo canais para queixas.

“Depois dessa sentença, nenhum país das Américas pode negar que tem obrigação em levar adiante um processo apropriado de consulta participativa com povos indígenas, de acordo com suas próprias práticas culturais”, afirmou Fernanda Doz Costa.

Os Sarayaku e a Anistia Internacional co-produziram o documentário “Children  of the Jaguar/Filhos do Jaguar”, que será lançado em breve, e trata da luta da comunidade em defender seus direitos.