No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a Anistia Internacional Brasil dá destaque para a campanha global Meu corpo, Meus direitos, que tem como objetivo chamar atenção para o tema dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase no acesso de mulheres e meninas a estes direitos.

A campanha será conduzida durante todo o ano tendo em vista que 2013 marca o início das discussões preparatórias para a conferência Cairo + 20, que será realizada pela ONU para revisão do Programa de Ação adotado após a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Egito em 1994.

Neste encontro, chefes de Estado e representantes da ONU irão examinar os esforços dos países em implementar os compromissos firmados na ocasião.

“É muito importante destacar a importância da revisão da Conferência de Cairo para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres, cada vez mais colocados em risco no Brasil e no mundo pelo avanço de agendas restritivas ao acesso a esses direitos”, defende Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil. “Nosso País terá a oportunidade de retomar um papel de destaque na defesa desses direitos, resgatando o protagonismo que teve há 20 anos”, destaca.

Além de divulgar informações sobre a situação dos direitos sexuais e reprodutivos em alguns países, a campanha Meu corpo, Meus direitos faz um apelo aos líderes globais, representantes da ONU e organizações internacionais para que protejam estes direitos agora e também para as futuras gerações.

Uma petição está disponível na página da campanha (anistia.org.br/MeuCorpoMeusDireitos) e as assinaturas recolhidas serão entregues às autoridades em eventos ao longo de 2013. O canal GNT será parceiro da Anistia Internacional Brasil nesta ação e também irá recolher assinaturas para a campanha em sua página do Facebook.

No Brasil, o tema ganha uma dimensão particularmente importante, com o peso das desigualdades no acesso à saúde – as mulheres negras e pobres são as principais vítimas da discriminação e da negligência. Dados do IBGE (2009) mostram que a mortalidade infantil é de 13,24% para brancos, e 21,24% para negros. A expectativa de vida é de 74,9 e 71,7 anos, respectivamente. E 22,9% das mulheres brancas não fizeram exames médicos durante a gravidez, contra 33,9% das negras.

Saiba mais sobre direitos sexuais e reprodutivos Latifah, uma menina de 14 anos da Indonésia, foi acusada de adultério pela polícia local quando relatou ter sido estuprada. Louisa, uma jovem de Burkina Faso, foi estapeada e agredida verbalmente durante o parto num hospital local.

Marta, uma trabalhadora doméstica de 30 anos da Indonésia, teve seu pedido para anticoncepcionais recusado por um posto de saúde em Jacarta, porque ainda não teve filhos.

Elena, uma menina de 10 anos estuprada por um padre na Nicarágua, foi pressionada a não prestar queixa e permanecer calada sobre o abuso – antes de seu estuprador ser finalmente acusado e condenado a 30 anos na prisão.

Os nomes dessas mulheres foram mudados, mas suas histórias mostram as consequências da profunda discriminação enfrentada por milhões de mulheres e meninas ao redor do mundo simplesmente por causa de seu gênero.

De acordo com as organizações de direitos humanos, incluindo a Anistia Internacional, há sempre consequências catastróficas quando mulheres e meninas não têm acesso a serviços de saúdes efetivos e informações relacionadas a eles. Em muitos países, falta de autonomia e poder decisório em geral significam desvantagens extras.

A ONU informou recentemente que cerca de 800 mulheres morrem por dia durante a gravidez e parto e para cada uma dessas mortes outras 20 mulheres enfrentam sofrimento para a vida toda por causa de ferimentos, infecções, morte ou deficiências em virtude de gravidez, parto ou aborto inseguro.

“Da Indonésia ao Peru, de Serra Leoa aos Estados Unidos, milhões de mulheres e meninas pagam com suas vidas por políticas de saúde fracassadas, cuidados inadequados e leis discriminatórias. Muitas enfrentam discriminação e violência em suas comunidades e famílias, com pouca ou nenhuma esperança de justiça ou apoio por parte dos governos,” disse Marianne Mollmann, assessora sênior de Políticas Públicas na Anistia Internacional.

O custo da discriminação 

Em muitos países, é quase impossível para mulheres e meninas acessar serviços e informações básicos de saúde sexual e reprodutiva. Em muitos casos, isso é devido à falha do governo em fazer da questão prioridade ou de investir recursos. Em outros, onde existem serviços de saúde, eles tendem a ser concentrados em áreas mais afluentes, restringindo acesso para muitas mulheres que vivem longe demais ou não podem pagar os custos de transporte até lá.

A Anistia Internacional descobriu que mesmo quando chegam aos postos de saúde, mulheres pobres às vezes são maltratadas por equipes que não entendem suas necessidades ou em alguns casos sequer falam sua língua.

Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas migrantes dizem que foram recusadas em postos de saúde pouco antes de entrarem em trabalho de parto porque não tinham dinheiro para o tratamento.

Falta de informação

Depois de pesquisar sobre a disponibilidade e qualidade do acesso a serviços de saúde em mais de uma dúzia de países, a Anistia Internacional concluiu que uma das principais causas de mortes de mulheres é a falta de informação sobre os serviços disponíveis.

Falta de informação em conjunto com legislação restritiva ao aborto significa que muitas jovens não têm escolha a não ser levar adiante uma gravidez indesejada ou buscar um aborto clandestino, em geral em condições inseguras.

De acordo com estimativas da ONU, adolescentes representam 2,5 milhões de aproximadamente 19 milhões de abortos inseguros realizados todo ano no mundo em desenvolvimento, e meninas entre 10 e 19 anos são 70% dos casos de mortes em hospitais devido a abortos inseguros.

Em 2011, a UNAIDS relatou que apenas 34% dos jovens em países em desenvolvimento foram capazes de responder corretamente a cinco perguntas básicas sobre o HIV e como preveni-lo. A mesma demografia atualmente representa 41% de todos os novos casos de HIV.

Um plano global

Em 1994, uma conferência inovadora no Cairo reuniu líderes de 179 países, que reafirmaram os direitos humanos das mulheres e meninas em fazer escolhas sobre sua sexualidade, gravidez e maternidade e prometeram colocar o empoderamento das mulheres no centro das políticas sobre população e desenvolvimento.

Durante a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, líderes mundiais adotaram um Programa de Ação com o objetivo de transformar o modo como políticas e programas de população foram formulados e implementados. A ideia era garantir que direitos sexuais e reprodutivos – incluindo temas como prevenção e resposta à discriminação enfrentada por mulheres quando tentam obter acesso a serviços de saúde – estivessem presentes em destaque em qualquer política populacional adotada pelos países.

O programa incluiu medidas focadas na redução da mortalidade infantil e maternal, população e meio ambiente, migração doméstica e internacional, prevenção e controle de HIV/AIDS, informação, educação e comunicação, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento.

A Anistia Internacional acredita que alguns passos importantes foram tomados desde a conferência do Cairo para implementar os compromissos que ela definiu. Mas o progresso tem sido lento – e, em algumas áreas como direitos sexuais e reprodutivos, irregular, na melhor das hipóteses.

Nas últimas décadas, segundo a Anistia, houve investimento crescente em cuidados pré-natal, em particular, mas pouco foi feito para combater as desigualdades no acesso à informação e serviços de saúde. E os governos são relutantes em prevenir discriminação e punir o abuso.