A Anistia internacional aplaude os históricos acordos feitos pelos Estados da região em termos de igualdade de gênero, direitos sexuais e direitos reprodutivos, entre outros temas, na Primeira Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento que terminou no último dia 15, Montevideo, após quatro dias de debates dos quais participaram cerca de 250 pessoas de organizações da sociedade civil, incluindo a Anistia Internacional.
O documento da resolução ratifica os principais compromissos e acordos internacionais de direitos humanos, em particular o Programa de Ação do Cairo, enquanto representa um importante avanço para a região.
Entre os principais avanços na América Latina e Caribe, onde cinco países criminalizam o aborto em todas as circunstâncias, está o reconhecimento explícito de que a experiência de alguns países mostra que a criminalização do aborto provoca aumento da mortalidade e da morbidade materna e não diminui o número de abortos, o que afasta os Estados do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Neste sentido, houve uma mensagem contundente aos Estados para considerarem a modificação das leis, normativas, estratégias e políticas públicas sobre a interrupção voluntária da gravidez para salvaguardar a vida e a saúde de mulheres e adolescentes, melhorando sua qualidade de vida e diminuindo o número de abortos. Além disso, um apelo para garantir, nos casos em que o aborto é legal ou descriminalizado na legislação nacional, a existência de serviços de aborto seguro e de qualidade para mulheres que tem gestações indesejadas ou não aceitas.
Também é significativo que a região tenha obtido um consenso geral para o reconhecimento do respeito à orientação sexual e identidade de gênero. Igualmente notável é o reconhecimento dos direitos sexuais como direitos independentes da reprodução, esclarecendo que abrangem o direito a uma sexualidade plena em condições seguras, assim como o direito de tomar decisões livres, informadas, voluntárias e responsáveis sobre sua sexualidade em relação a sua orientação sexual e identidade de gênero, sem coação, discriminação e violência.
Os Estados acolheram também as negligenciadas demandas das mulheres indígenas da região, comprometendo-se a integrar o enfoque participativo e intercultural nos programas de educação integral para a sexualidade que devem gerar, assim como nos serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva.
Participação de jovens
O Estado deve garantir o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva e garantir o acesso à contracepção moderna, segura e eficaz, respeitando o princípio da confidencialidade e privacidade para que as jovens tomem decisões livres, informadas e responsáveis em relação às suas vidas sexuais e reprodutivas e ao exercício de sua orientação sexual. Estes últimos também devem ser de qualidade e apropriados para adolescentes e jovens, uma conquista fundamental de jovens da região que se mobilizaram intensamente para esta conferência. Na América Latina e no Caribe, uma em cada quatro pessoas é jovem.
Neste sentido, se reafirmou explicitamente que meninos, meninas, adolescentes e jovens são “sujeitos de direitos e atores do desenvolvimento” e sua situação foi um dos temas centrais do debate em Montevideo. Preocupação especial foi expressa pela gravidez na adolescência, um fenômeno crescente na região, principalmente entre adolescentes de grupos desprivilegiados. Neste sentido, os Estados se comprometeram a dar prioridade à prevenção da gravidez não desejada na adolescência e outras medidas para mitigar as possíveis violações de direitos humanos de adolescentes grávidas.
Em relação à violência contra as mulheres, os Estados ratificaram seu compromisso de combater e eliminar todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres, incluindo a violência intrafamiliar, o assassinato de mulheres por razões de gênero e o feminicídio. Isto é importantíssimo em uma região onde a violência por razões de gênero está alcançando proporções endêmicas.
Os Estados reafirmaram que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos são parte integral dos direitos humanos e seu exercício é essencial para o gozo de outros direitos fundamentais e para alcançar as metas internacionais de desenvolvimento e eliminação da pobreza. Também tornaram a assinalar que as inequidades na região são inaceitáveis, reconhecendo a discriminação múltipla enfrentada por algumas mulheres e meninas que são de descendência indígena, afrodescendente ou que vivem na pobreza.
No mesmo sentido, os Estados reafirmaram que a mortalidade materna é uma afronta aos direitos humanos e reconheceram que as mortes maternas podem ser prevenidas em sua grande maioria. Assim, os Estados se comprometeram mais uma vez a eliminar as causas de morbidade e mortalidade materna, incorporando, no conjunto de prestações integrais dos serviços de saúde sexual e de saúde reprodutiva, medidas para prevenir e evitar o aborto inseguro, entre elas a educação integral para a sexualidade, e o acesso oportuno e confidencial à informação, assessoria, tecnologias e serviços de qualidade, incluindo a anticoncepção oral de emergência sem receita.
Os acordos foram celebrados por representantes de mais de 50 organizações, redes internacionais e nacionais de 30 países que participam da Articulación de la Sociedad Civil de América Latina y el Caribe Cairo +20 presentes em Montevideo.
Se estes acordos forem cumpridos, teremos uma região mais justa, onde os Direitos Humanos vão se tornar uma realidade para muitas mulheres e meninas que hoje não se sentem donas de seus corpos nem das decisões sobre sua sexualidade e reprodução. Neste sentido, a Anistia Internacional reafirma a importância deste compromisso político e faz um enfático apelo aos Estados para que atuem.
Especialmente importante é o compromisso de designar recursos para realizar os compromissos, assim como o reconhecimento expresso da importância de gerar mecanismos claros de acompanhamento e prestação de contas com participação da sociedade civil em toda a sua diversidade.
Contexto
A Primeira Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latine e Caribe, organizada pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (CEPAL), foi preparatória para a Conferência Mundial Cairo +20, prevista para setembro de 2014 em Nova York. Lá se encontrarão representantes de todas as regiões e será revisado o cumprimento das metas do Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, acordadas em 1994 no Cairo. A agenda dessa Conferência inclui direitos sexuais e reprodutivos e mortalidade materna, igualdade e equidade de gênero, família e bem-estar social, urbanização e migração interna, migração internacional, adolescentes e jovens e povos indígenas.