Norte-coreanos que não fazem parte da elite do país pegos utilizando telefones celulares para entrar em contato com parentes que fugiram para o exterior correm o risco de serem enviados para campos de prisioneiros políticos ou para outros centros de detenção, na medida em que o governo intensifica seu controle sobre o uso pessoal de tecnologias de comunicação, revela a Anistia Internacional em um novo relatório publicado hoje (9).
Conexão negada: Restrições quanto ao uso de telefones celulares e sobre informação de fora da Coreia do Norte documenta a intensificação dos controles, da repressão e da intimidação da população desde que Kim Jung-un chegou ao poder em 2011.
“Para manter o controle absoluto e sistemático, as autoridades norte-coreanas estão reprimindo as pessoas que utilizam telefones celulares para entrar em contato com suas famílias no exterior”, afirma Arnold Fang, pesquisador da Anistia Internacional para o Leste Asiático.
“Kim Jong-un está sendo desonesto quando justifica essa repressão como necessária para deter o que ele chama de ‘o vírus do capitalismo’. Nada jamais pode justificar que pessoas sejam jogadas na prisão por tentar satisfazer uma necessidade humana básica – entrar em contato com sua família e amigos”.
A fronteira digital é o mais recente campo de batalha nas tentativas do governo norte-coreano de isolar seus cidadãos e ocultar informações sobre a situação hedionda dos direitos humanos no país.
Chamadas internacionais são bloqueadas para os norte-coreanos que utilizam o serviço popular doméstico de telefonia móvel do país, que tem mais de 3 milhões de assinantes. O acesso à rede mundial de computadores (World Wide Web) é restrito a estrangeiros e a um número seleto de cidadãos. Alguns norte-coreanos podem acessar uma rede de computadores fechada, que fornece conexão somente para sites e e-mails domésticos.
A maioria das pessoas que fogem da Coreia do Norte não tem meios para entrar em contato com suas famílias que ficaram no país, deixando ambos os lados inseguros quanto ao fato de seus parentes estarem vivos ou mortos, se estão sendo investigados pelas autoridades ou presos.
“O controle absoluto das comunicações é uma arma fundamental nos esforços das autoridades para ocultar os detalhes sobre a terrível situação dos direitos humanos no país. Os norte-coreanos não são apenas privados da oportunidade de saber o que acontece no mundo, eles são impedidos de falar ao mundo sobre sua situação de privação quase total dos direitos humanos”, disse Fang.
Apesar dos riscos, muitas pessoas estão tirando vantagem da expansão da economia informal privada da Coreia do Norte, com comerciantes contrabandeando alimentos, roupas e outros bens, especialmente da vizinha China. Há um crescente comércio ilegal de telefones celulares importados e cartões SIM, que são comumente chamados “telefones móveis chineses”, independentemente da marca, que permitem aos norte-coreanos que vivem perto da fronteira o acesso às redes móveis chinesas e a comunicação direta com pessoas de fora do país.
Solução arriscada
O acesso às redes de telefonia móvel chinesas é uma saída arriscada para pessoas que querem se comunicar com a família no exterior, para os que querem fugir do país e para os comerciantes que querem ganhar a vida.
“Os norte-coreanos precisam ir a extremos, com grande perigo pessoal, para ter uma breve conversa por telefone com seus entes queridos. É escandaloso que as pessoas possam enfrentar acusações injustas simplesmente por falar com seus parentes no exterior”, disse Arnold Fang.
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Falar ao telefone com pessoas fora da Coreia do Norte não é em si ilegal, mas o comércio privado de dispositivos de comunicação de outros países sim. Os indivíduos que realizam chamadas a partir de “celulares chineses” podem enfrentar acusações criminais, incluindo traição, se entrarem em contato com alguém na Coreia do Sul ou outros países considerados inimigos. Acusações menores poderiam incluir intermediação ou comércio ilegal.
Vigilância reforçada
O relatório mostra que Pyongyang aumentou a sua capacidade tecnológica para controlar e oprimir o povo, em um esforço para bloquear o contato com o mundo exterior na era digital. Isso inclui a importação de modernos dispositivos de vigilância e detecção e a utilização de bloqueadores de sinal perto da fronteira chinesa.
Eun-mi, uma mulher de 40 anos que deixou a Coreia do Norte em 2014, foi presa por usar um “celular chinês”. Ela disse à Anistia Internacional: “O Escritório 27 do Departamento de Segurança do Estado tem este dispositivo de monitoramento e os agentes mantêm este dispositivo em forma de antena em suas mãos com luzes vermelhas piscando. Eles disseram que era um dispositivo de detecção. Quando os agentes do Escritório 27 vieram para me prender tiraram seus casacos e tinham esses cabos elétricos amarrados em torno de seu corpo.”
Bak-moon, que era engenheiro antes de ter deixado a Coreia do Norte, lembrou-se de ter ouvido sobre equipamentos de monitoramento mais avançados importados que podiam reconhecer o conteúdo das comunicações. Ele disse à Anistia Internacional: “Eles podem descobrir a localização de telefones celulares com precisão.”
Além da moderna e sofisticada tecnologia, a vigilância pessoa a pessoa continuou a ser feita cotidianamente. Jong-hee, que deixou a Coreia do Norte em 2014, disse: “Todo mundo estava monitorando todos os demais. Nos bairros e nos locais de trabalho, as pessoas estavam monitorando as demais.”
Extorsão e detenção
Qualquer um pego fazendo uma chamada internacional utilizando um “celular chinês” se arrisca a ser enviado para uma instituição de correção penal ou mesmo para um campo de prisioneiros políticos. Para aqueles sem contatos influentes no governo, a única esperança para evitar a prisão é subornar as autoridades. Entrevistados disseram à Anistia Internacional que obter subornos muitas vezes parece ser o motivo real por trás de algumas detenções.
So-kyung, uma mulher norte-coreana que vive no Japão, contou à Anistia Internacional sobre tais perigos: “Em um caso grave, podemos ser enviados para um campo de prisão política, com a expectativa de permanecer um longo período. Em um caso mais leve, podemos ser enviados para uma instituição de correção penal e ficar preso de um a dois anos. A maioria das pessoas sai pagando suborno.”
Alto preço
Em uma tentativa de evitar a detecção ao fazer chamadas no exterior, as pessoas mantêm conversas curtas, usam pseudônimos, e vão até áreas remotas e montanhosas. Isso reduz as chances das chamadas serem obstruídas e dos agentes de segurança detectarem os indivíduos que usam os telefones.
A maneira mais comum para os membros da família que estão fora do país entrar em contato com entes queridos na Coreia do Norte que não possuem um “celular chinês” é pagar alguém que possui um celular – um intermediário –para realizar uma chamada. O sistema de intermediários surgiu da necessidade de norte-coreanos que haviam fugido para o exterior enviar dinheiro para membros da família que permaneceram na Coreia do Norte, mas também serve como um canal de comunicação, por uma taxa.
Os custos são elevados. Os intermediários envolvidos na realização de uma chamada telefônica ficam com até 30% de comissão sobre um valor mínimo de transferência de US$ 1.000 em dinheiro. E porque os agentes de segurança do Estado norte-coreanos tentam interceptar o dinheiro enviado para casa, não há garantias de que os recursos cheguem de fato ao destinatário.
Choi Ji-woo recordou quando um intermediário chegou em sua casa na Coreia do Norte e afirmou ter uma carta de seu pai. Na carta, o pai pediu-lhe para seguir as instruções do intermediário para que eles pudessem falar ao telefone. Meses antes, os agentes de segurança do Estado disseram a Ji-woo que seus pais haviam morrido tentando deixar a Coreia do Norte. Na verdade, eles tinham escapado com sucesso para a Coreia do Sul, mas não havia outra maneira de fazer com que sua filha soubesse.
Ji-woo empreendeu uma viagem perigosa com o intermediário pelas montanhas, na esperança angustiada de que poderia falar com seus pais por telefone: “Às vezes nós andamos toda a noite para atravessar uma montanha. Não havia maneira de contorná-la e tivemos que nos deslocar durante a noite, e não durante o dia. Nós não podíamos usar uma lanterna, e estava escuro como breu. Eu não podia ver o pé à minha frente. Se eu pudesse ouvir a voz de minha mãe e de meu pai mais uma vez, se eu pudesse saber com certeza que eles estavam vivos, eu morreria feliz. Quando o intermediário fez a chamada e ouvi a voz do meu pai, eu pensei: ‘Ele está vivo, ele está vivo!’ “
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Os membros da família que vivem no exterior também podem enviar secretamente celulares chineses e cartões SIM para os parentes na Coreia do Norte, que aceitam se arriscar ao receber esses itens. Isso geralmente envolve o pagamento de um suborno para soldados na fronteira. Com a segurança mais rigorosa nos postos de fronteira, o custo desses subornos aumentou e agora pode chegar a US$ 500.
“As autoridades da Coreia do Norte devem acabar com os controles repressivos contra as pessoas que querem entrar em contato com o mundo exterior. Essa violação generalizada do direito de se expressar livremente e receber informações, inclusive através das fronteiras, contribui diretamente para manter a privação terrível dos direitos humanos no país”, disse Arnold Fang.
A Anistia Internacional apela ao governo norte-coreano para pôr fim a todas as restrições injustificadas à liberdade de expressão e permitir a livre circulação de informação entre indivíduos na Coreia do Norte e no resto do mundo.
Isso inclui permitir que os norte-coreanos tenham acesso completo e sem censura aos serviços de telefonia móvel internacional e à rede mundial de computadores. As autoridades devem ainda interromper qualquer vigilância e interferência com comunicações que seja desnecessária, sem alvos específicos e sem um objetivo legítimo.
Em 2014, a Comissão de Inquérito da ONU sobre os Direitos Humanos na Coreia do Norte chegou à conclusão que a gravidade, escala e natureza das violações dos direitos humanos no país “não tem qualquer paralelo” no mundo moderno. Isto incluiu a negação quase completa dos direitos à liberdade de opinião, de expressão, informação e associação. Os resultados aumentaram a pressão internacional sobre a Coreia do Norte e a terrível situação dos direitos humanos foi posteriormente discutida tanto na Assembleia Geral da ONU quanto no Conselho de Segurança da ONU.