A concretização dos direitos humanos e o alcance do desenvolvimento sustentável são metas interdependentes e que se reforçam mutuamente. Os Estados devem garantir que o Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável reconheça a centralidade dos direitos humanos para o desenvolvimento sustentável e reafirme a estrutura internacional dos direitos humanos.
A pesquisa feita pelo Human Rights Watch e Anistia Internacional demonstra de que modo as iniciativas de desenvolvimento econômico que não incorporam as obrigações e princípios de direitos humanos podem aprofundar a marginalização, a discriminação e a injustiça. A Anistia Internacional e o Human Rights Watch têm documentado os abusos de direitos humanos no contexto dos projetos de infraestrutura empreendidos em nome do desenvolvimento, na operação das indústrias extrativas que tiram os povos indígenas das suas terras tradicionais e nas políticas de desenvolvimento que resultam em expulsões forçadas de algumas das comunidades mais pobres.
A exclusão e a discriminação continuam a ser fatores-chave na condução e na intensificação da pobreza. Os projetos de desenvolvimento, por exemplo, são geralmente realizados sem respeitar os direitos dos povos indígenas de serem consultados e de darem seu consentimento livre, prévio e informado. As violações enfrentadas pelos povos indígenas no contexto do “desenvolvimento” são o resultado da discriminação arraigada. Uma falsa e perigosa dicotomia de “desenvolvimento versus direitos dos povos indígenas” é muito comum. As consequências são devastadoras – comunidades inteiras perdem suas terras tradicionais e seus meios de subsistência e ficam expostas a graves riscos à saúde.
As mulheres ainda sofrem desigualdade e discriminação disseminadas quanto ao acesso a direitos, oportunidades e recursos. Estima-se que, em todo o mundo, 70% das pessoas que vivem na pobreza sejam mulheres. A igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres são amplamente reconhecidos como essenciais para o combate à pobreza e o alcance do desenvolvimento sustentável. Contudo, apesar da retórica, a dimensão de gênero e os direitos das mulheres, inclusive os direitos sexuais e reprodutivos, ficam muitas vezes isolados em políticas e práticas de desenvolvimento.
Quando as políticas e estruturas de desenvolvimento não estão em conformidade com os direitos humanos, muitas vezes os mais pobres e mais marginalizados não apenas deixam de beneficiar-se, mas são empurrados ainda mais para a pobreza, pois seu ambiente é degradado, seus meios de subsistência são deteriorados e eles são deixados fora do alcance de serviços vitais, tais como saúde e abastecimento de água e saneamento.
A participação livre, ativa e significativa das pessoas em decisões que afetam sua vida é um elemento integrante do desenvolvimento sustentável. Diante dos eventos da Primavera Árabe, não podemos negar a importância da liberdade de expressão, associação e reunião, igualdade de acesso à informação e a processos transparentes, participação cívica e responsabilização social para o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável também deve reconhecer a relação entre sustentabilidade ambiental e direitos humanos. A poluição da água, solo e ar tem, por exemplo, resultado em violações dos direitos a um padrão de vida, alimentação, água e habitação adequados, proteção da família e do lar, saúde, ambiente saudável e vida. Cada vez mais, os órgãos que monitoram os direitos humanos e os tribunais internacionais, regionais e nacionais reconhecem os danos ambientais como causa de violações dos direitos humanos e estabelecem com rigor a responsabilidade do Estado no tocante à proteção ambiental. O Human Rights Watch tem documentado violações do direito à saúde de grupos vulneráveis que incluem crianças quando expostas a substâncias químicas tóxicas no contexto de mineração, produção industrial e agricultura.
Assim sendo, instamos os Estados a incorporarem as seguintes disposições ao documento final:
1. Reconhecer no documento final as obrigações relativas aos direitos humanos.
Nós nos sentimos encorajados ao constatarmos que o documento preliminar de 2 de junho de 2012 para o documento final da conferência reconhece a importância dos instrumentos internacionais de direitos humanos e enfatiza as responsabilidades de todos os Estados de respeitarem, protegerem e promoverem os direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos. A legislação internacional sobre direitos humanos, inclusive o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, oferece um conjunto universal de padrões com o qual a ampla maioria dos países se comprometeu. Os compromissos resultantes desta conferência devem enquadrar-se nessa estrutura existente.
De modo especial os Estados devem:
(a) Reafirmar as obrigações legais de todos os Estados de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos, essenciais para o desenvolvimento sustentável.
(b) Reafirmar que as políticas, projetos e práticas de desenvolvimento devem refletir as obrigações relativas aos direitos humanos dos Estados e que a assistência técnica e financeira deve ser coerente com as obrigações de direitos humanos.
(c) Reafirmar as obrigações relativas aos direitos humanos dos Estados quando assumem o papel de partes interessadas de instituições financeiras Internacionais (IFIs). Os Estados devem garantir que as IFIs aprovem apenas projetos que tenham sido submetidos à avaliação eficaz de possíveis impactos aos direitos humanos e que sejam destinados a mitigar quaisquer riscos aos direitos humanos que possam ter sido identificados por essas avaliações.
(d) Reafirmar o direito de acesso à informação e participação. Para participar com eficácia do processo de desenvolvimento, as pessoas devem ter acesso a informações relevantes e processos transparentes. O acesso à informação e aos processos de participação deve ser inclusivo e não discriminatório. Os governos têm que proteger os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião.
(e) Reafirmar o princípio de não discriminação quanto à raça, cor, sexo, idade, idioma, religião, opinião política ou outra opinião, origem nacional ou social, propriedade, nascimento, deficiência ou outra situação. Os Estados devem comprometer-se com vigor renovado a garantir que a ajuda ao desenvolvimento sustentável chegue até aos membros mais marginalizados da sociedade. Isso deve incluir um compromisso de promover veementemente os direitos das mulheres e de igualdade de gênero por intermédio de políticas de desenvolvimento sustentável, o que inclui políticas que garantam o acesso aos serviços de saúde reprodutiva e à informação.
(f) Reafirmar os direitos humanos dos povos indígenas, em conformidade com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, dos povos tribais e de outras comunidades locais.
(g) Reafirmar que as empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, sempre que operarem, de exercer a devida diligência para avaliar, evitar e mitigar seu impacto sobre os direitos humanos e o ambiente e fazer uma reparação acessível se ocorrerem abusos. Assegurar a conformidade, exigindo que as empresas coloquem em prática procedimentos rigorosos de devida diligência e relatar publicamente os impactos das ações das empresas sobre os direitos humanos.
2. Comprometer-se com o aumento da responsabilização pelas obrigações existentes relativas aos direitos humanos e sua relação com o desenvolvimento sustentável
Se os governos cumprirem seus compromissos legais relativos aos direitos humanos e ao meio ambiente, acreditamos que o desenvolvimento sustentável será muito mais fácil de alcançar, muito mais durável e benéfico para as muitas pessoas impactadas por essas iniciativas. Ao imprimir um efeito significativo ao seu compromisso com o desenvolvimento sustentável, todos os Estados devem:
(a) Aprovar e fazer cumprir uma legislação nacional para garantir os direitos humanos internacionais e os compromissos legais com o meio ambiente.
(b) Ratificar o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual oferece um importante mecanismo de responsabilização no âmbito internacional.
(c) Garantir que quaisquer metas e estruturas de desenvolvimento sejam baseadas na legislação internacional sobre direitos humanos.
(d) Criar mecanismos eficazes de monitoramento e responsabilização para quaisquer compromissos assumidos no Rio de modo a medir o progresso e revelar e corrigir impactos negativos. Esses processos devem ser inclusivos, garantir a participação efetiva das comunidades afetadas e da sociedade civil, além de serem abertos ao escrutínio público.