A ratificação do acordo de paz marca o início de um capítulo novo e esperançoso na história da Colômbia, mas o verdadeiro trabalho árduo começa agora, afirma a Anistia Internacional.
Na noite passada, o Congresso ratificou uma versão revista do acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), após o acordo original ser rejeitado por um referendo em 2 de outubro.
A ratificação abre o caminho para que as Farc comecem um processo de desmobilização e desarmamento que será implementado ao longo de seis meses.
O acordo revisto oferece mais clareza sobre uma série de questões, tais como a forma como as sanções impostas aos responsáveis por crimes, às vistas do direito internacional vai funcionar. Ele também obriga as FARC a entregar os seus bens, o que poderia impulsionar o direito das vítimas à reparação. Mas o acordo continua a apresentar lacunas.
“O fim oficial de um conflito armado e sangrento, que já dura há mais de 50 anos e deixou cerca de oito milhões de vítimas na sua esteira é uma conquista que não pode e não deve ser subestimada”, disse Erika Guevara-Rosas, Diretora da Anistia Internacional para as Américas.
“No entanto, grande parte do horror que os colombianos foram forçados a suportar durante décadas não tem sido diretamente ligada ao combate direto entre as forças de segurança e as FARC. Aqueles que trabalham fora do centro das atenções, defendendo direitos ou protegendo os recursos naturais e territórios de poderosos interesses econômicos continuam a enfrentar assédio e ataques mortais. Assim, o acordo de paz em si pode fazer pouco para manter esses ativistas seguros. O que eles precisam é uma ação eficaz para garantir que aqueles que estão por trás desses ataques enfrentam justiça adequada “.
Desde 1985, cerca de sete milhões de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas, mais de 267 mil foram mortas, cerca de 46 mil pessoas foram vítimas de desaparecimentos forçados e cerca de 30 mil foram tomadas como reféns. Milhares mais foram vítimas de tortura, violência sexual e minas terrestres, enquanto cerca de 8.000 crianças foram recrutadas à força por guerrilheiros e grupos paramilitares. Muito poucos dos responsáveis foram jamais levados à justiça.
“O terrível legado dessas violações e a impunidade arraigada para a maioria delas significa que, apesar do acordo de paz, persistem muitos desafios relacionados com o conflito e os desafios humanitários aparentemente intratáveis, e há um risco real de que esses desafios continuem em um clima de pós-conflito”, disse Erika Guevara-Rosas.
Embora a violência contra os civis tenha se reduzido, os ataques contra defensores de direitos humanos, especialmente indígenas, afrodescendentes e camponeses, continuam alarmantes, com mais de 70 mortos neste ano.
Muitos desses ataques estão ligados a grupos armados que procuram tomar controle de terras ricas em recursos pertencentes a comunidades rurais, a fim de explorá-las para obter ganhos econômicos.
O conflito armado com as FARC pode estar oficialmente encerrado, mas outros conflitos permanecem, principalmente com o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN), enquanto os grupos paramilitares continuam a ser a ameaça mais séria aos direitos humanos, especialmente no campo.
O processo de paz com o ELN estava programado para começar no início deste ano, mas o fracasso do grupo em libertar um de seus reféns de alto perfil atrasou o início do processo.
“Se a Colômbia realmente tiver sucesso a longo prazo em fazer a paz funcionar para todos, as autoridades devem assegurar que o direito fundamental dos milhões de vítimas do país à verdade, justiça e reparação seja devidamente respeitado”, disse Erika Guevara-Rosas.
O acordo sobre as vítimas do conflito – um dos pilares do acordo de paz e que detalha como o direito das vítimas à verdade, à justiça e à reparação será garantida através de um sistema de justiça transicional – é inegavelmente um passo em frente em termos de direitos das vítimas, especialmente quando comparado com experiências anteriores com os processos de paz na Colômbia. Mas, apesar das revisões, continua a ficar aquém do direito internacional e dos padrões de direitos humanos.
Em particular, a Anistia Internacional tem criticado repetidamente o fato de que as sanções não refletem a gravidade de alguns dos crimes cometidos e também que a definição de responsabilidade de comando pode permitir que os superiores das forças de segurança e das FARC evadem a responsabilidade pelas ações de seus subordinados.
“O fato é que a Colômbia deve cumprir sua obrigação com o direito internacional dos direitos humanos de garantir o direito das vítimas à verdade, justiça e reparação. Este direito não pode ser comprometido se esta é uma verdadeira paz para as vítimas “, disse Erika Guevara-Rosas.
Mas a exigência do acordo revisado de que as FARC entreguem seus bens pode ser importante em termos de direito de reparação das vítimas, mas somente se forem tomadas medidas para garantir que todos os bens sejam identificados, entregues e efetivamente usados em apoio a vítimas.
“Esse acordo deve resultar em uma paz para todos os colombianos, incluindo as vítimas de abusos e violações de direitos humanos, os defensores de direitos humanos que arriscam suas vidas para defender os direitos dos outros, as comunidades rurais que procuram proteger suas terras da exploração e as mulheres sobreviventes da violência de gênero lutando corajosamente pela justiça. Suas vozes devem ser ouvidas alto e claro como a Colômbia prepara-se para implementar a sua paz há muito procurado “, disse Erika Guevara-Rosas.
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