A proposta da nova lei antiterrorista na China seria um ataque seletivo contra a liberdade de credo e de expressão, assim como contra os direitos das minorias étnicas, advertiu a Anistia Internacional
Apesar das recentes revisões, o projeto de lei praticamente não oferece salvaguardas que impeçam que aqueles que praticam suas religiões de forma pacífica, assim como aqueles que se limitam a criticar políticas governamentais, venham a ser perseguidos com a imputação de acusações genéricas relacionadas ao “terrorismo” ou ao “extremismo”.
Prevê-se que a Assembleia Nacional Popular (Parlamento) aprovará o último esboço da lei no período de sessões anuais que se inicia hoje (5).
“A China tem a obrigação de proteger as pessoas dos ataques violentos, mas esta lei draconiana não é a resposta. Está sendo utilizado o conceito de segurança nacional como pretexto para atacar ainda mais a liberdade de credos e silenciar aqueles que criticam o governo”, afirmou, por sua vez, William Nee, pesquisador da Anistia Internacional para a China.
Poderá restringir-se também severamente a liberdade de circulação de qualquer indivíduo suspeito de atividades “terroristas”, com a possibilidade de submetê-lo às denominadas “medidas educativas” ou a outras modalidades de detenção arbitrária.
“As revisões são insuficientes, as autoridades chinesas deveriam abandonar este esboço, cuja formulação é imprecisa, e recomeçar do zero. Faltam salvaguardas adequadas para equilibrar a segurança com os direitos das pessoas”, declarou Nee.
As normas internacionais exigem que, em qualquer legislação de segurança nacional, estejam protegidos os direitos humanos, como é o caso da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão, incluindo as críticas pacíficas às políticas governamentais ou ao próprio governo, deve estar expressamente protegida em qualquer legislação”, acrescentou Nee.
A liberdade de credo na Região Autônoma de Uigur de Sinkiang
O projeto de lei representa um ataque específico à liberdade religiosa: qualquer pessoa que disponibilize um local para a celebração de atos religiosos poderia vir a ser penalizada e qualificada como “terrorista” ou “extremista”, mesmo tratando-se de práticas totalmente pacíficas.
No ano passado as autoridades chinesas radicalizaram suas restrições ao Islã, que já eram severas, na Região Autônoma de Sinkiang, com o objetivo declarado de combater o “terrorismo violento e o extremismo religioso”.
As autoridades elevaram ao máximo as restrições às exibições públicas do Islã: foram proibidas as barbas compridas, assim como os véus, o hijab e as camisetas com a estampa da meia-lua e da estrela islâmicas. Durante o mês do Ramadã, as autoridades chegaram a proibir o jejum de alguns grupos.
Em maio de 2014 foi lançada uma campanha de “mão de ferro” na Região Autônoma e as autoridades priorizaram as detenções rápidas, os julgamentos sumários e as condenações multitudinárias. O governo solicitou uma maior “cooperação” entre promotores e tribunais, suscitando preocupações adicionais em virtude da possibilidade dos réus não terem acesso a julgamentos justos.
Os meios de comunicação do Estado informaram que, seis meses após o início da campanha “mão de ferro”, no outono de 2014, tinham sido detidos pelo menos 238 supostos “pregadores religiosos ilegais” e pessoas que disponibilizaram locais para celebração de atos religiosos, e tinham sido “eliminados” 171 locais de “prática de atividades religiosas ilegais”. Também foi confiscado um total de 23.000 “artigos religiosos ilegais”, incluindo 18.000 livros e 2.600 CDs e DVDs.
Em janeiro, o Comitê do Partido Comunista da Região Autônoma declarou 2015 como ”o ano da mão de ferro” e anunciou que a campanha seria intensificada até o fim do ano.
“É aterrador que o governo considere a campanha de ‘mão de ferro’ na Região Autônoma de Uigur de Sinkiang como um teste de futuras medidas antiterroristas em nível nacional”, disse William Nee.
Constitui um perigoso precedente o caso de Ilham Tohti, reconhecido estudioso uigur e fundador do site Uigur On-line, condenado à prisão perpétua em setembro de 2014, após ser declarado culpado de “separatismo” em julgamento no qual as principais provas de acusação foram matérias postadas no site da web. Seu caso é considerado um exemplo da campanha de “mão de ferro”. A Anistia Internacional pede sua liberação imediata e incondicional, por tratar-se de um prisioneiro de consciência condenado apenas pelo exercício pacífico dos seus direitos humanos.