A severa lei anti-aborto do Chile trata as mulheres como cidadãs de segunda classe e coloca suas vidas e saúde em risco, disse a Anistia Internacional em meio a um acalorado debate no Congresso para modificar a legislação.
“A ultrajante proibição do aborto no Chile cria um clima de medo entre os profissionais de saúde, cujo primeiro pensamento é muitas vezes denunciar uma mulher ou uma menina para a polícia por suspeita de aborto, em vez de proporcionar-lhes tratamento que possa salvar suas vidas. Ela cria um sistema de saúde de dois níveis em que as mulheres são vistas como meros receptáculos férteis”, disse Fernanda Doz Costa, pesquisadora da Anistia Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais nas Américas.
“O Chile deve se afastar definitivamente dessa proibição draconiana da era Pinochet. A evidência é clara no sentido de que a proibição do aborto em todas as circunstâncias não impede que os abortos aconteçam. Tudo que se consegue é forçar as mulheres e meninas, particularmente aquelas com poucos recursos, a buscar tratamentos ilegais e perigosos que colocam suas vidas em risco. Embora ainda limitada, a lei que está atualmente em discussão pode tornar-se um importante primeiro passo na direção certa.”
De acordo com a lei anti-aborto do Chile, aprovada em 1989, durante as fases finais do regime brutal de Augusto Pinochet, o aborto é ilegal, mesmo quando a vida ou a saúde da mulher ou da menina está em risco e quando a gravidez é resultado de estupro. A Presidente Bachelet enviou um projeto de lei ao Congresso para reintroduzir exceções a esta proibição total quando a vida da mulher ou da menina está em risco, quando a gravidez é resultado de estupro e quando o feto não é viável.
A proibição efetivamente obriga muitas mulheres a procurar fazer os abortos em condições perigosas.
De acordo com o Ministério da Saúde, no Chile mais de 33.000 mulheres são internadas em hospitais todos os anos em decorrência de complicações relacionadas a abortos inseguros.
O Ministério Público do Chile informou que, só em 2014, foram iniciadas investigações judiciais em 174 casos de aborto voluntário envolvendo 113 mulheres.
A Anistia Internacional identificou dezenas de casos de mulheres às quais foram negadas a realização de abortos para salvar suas vidas, mesmo quando elas precisavam realizar tratamento de câncer ou quando o feto não era viável.
Tania (nome fictício) era uma mulher de 31 anos de idade e mãe de três filhos quando ficou grávida no meio de seu tratamento contra o câncer. Continuar com a gravidez teria significado colocar sua própria vida em perigo por ter que parar o tratamento. O médico que a estava tratando avisou-a que se ela fizesse um aborto, ele teria que denunciá-la. Tania decidiu fazer o aborto em uma clínica privada, onde o procedimento foi registado como uma operação ginecológica.
Ela disse à Anistia Internacional: “Eles nunca me viram como uma pessoa, como um ser humano completo. Eles me viam como uma incubadora, alguém que pudesse trazer filhos ao mundo. E depois não se importavam se eu os criei adequadamente ou não, se eu morri, se nós passamos fome. Eles nos veem como incubadoras. Como máquinas, máquinas para a reprodução”.
René Castro, um obstetra, descreveu outro caso em que uma mulher teve que esperar até o final de sua gravidez apesar de saber que a criança iria morrer nas primeiras 24 horas, por causa de uma doença fatal que tinha.
“Ela me disse o quão doloroso era para ela ter que esperar nove meses para dar à luz a seu filho, sabendo que ele iria morrer nas primeiras 24 horas, que é o que de fato aconteceu. O que era pior era que ela não tinha ninguém para apoiá-la emocionalmente, para protegê-la pelo menos das consequências disso”, disse a Dra. Castro.
O Chile é um dos apenas cinco países das Américas – incluindo El Salvador, Haiti, Honduras e Nicarágua – que proíbem o aborto em todas as circunstâncias, ou onde se precisa de uma exceção legal explícita para salvar a vida da mulher. A República Dominicana, que também proibia totalmente o aborto, introduziu modificações ao seu Código Penal, em dezembro de 2014, e incluiu as mesmas três exceções que estão sendo discutidas no Chile.
Outros países da região, incluindo o Paraguai, abrem exceções para a criminalização do aborto quando a vida da mulher ou da menina está em perigo, embora sejam muitas vezes ignoradas pelos profissionais de saúde.
Em 28 de setembro, pessoas do mundo todo vão celebrar o Dia Internacional para a Descriminalização do Aborto.
“Nós estamos levantando nossas vozes, juntamente com muitos outros na região, para lembrar aos Estados que a descriminalização do aborto é um imperativo dos direitos humanos, um compromisso com as mulheres e os direitos das meninas à vida e à saúde”, disse Fernanda da Costa.
“Legalizar o aborto é um requisito essencial para os países garantirem a igualdade para as mulheres. O fato é que as mulheres indígenas, afrodescendentes, e aquelas que vivem na pobreza ou com menos oportunidades são desproporcionalmente representadas entre estas mulheres e meninas que morrem ou são gravemente afetadas por abortos realizados em condições perigosas”.
Entre em ação! Assine a petição para que o Chile mude suas leis de aborto.
Saiba mais