Policiais e militares da Nigéria torturam rotineiramente mulheres, homens e crianças – algumas com apenas 12 anos – com uma grande variedade de métodos, incluindo espancamentos, tiros e estupros, de acordo com um novo relatório da Anistia Internacional publicado hoje (18/09).

Welcome to hell fire: Torture and other ill-treatment in Nigeria” (Bem-vindo ao inferno de fogo: Tortura e outros maus-tratos na Nigéria) detalha como as pessoas são detidas frequentemente em grandes operações de arrastões e torturadas, como punição, para extorquir dinheiro ou para extrair “confissões” como um atalho para “resolver” casos.

“Isso vai muito além da terrível tortura e morte de pessoas supostamente ligadas ao grupo Boko Haram. Em todo o país, o alcance e a gravidade da tortura infligida a mulheres, homens e crianças da Nigéria pelas autoridades que supostamente deveriam protegê-los é chocante até mesmo para o mais endurecido observador dos direitos humanos”, disse Netsanet Belay, Pesquisador e Diretor de Advocacy da Anistia Internacional.

“A tortura não é nem mesmo uma ofensa criminal na Nigéria. O parlamento do país deve tomar imediatamente este tão demorado passo e aprovar uma lei de criminalização da tortura. Não há desculpa para mais demora.”

Elaborado a partir de centenas de testemunhos e provas recolhidas ao longo de dez anos, o relatório expõe o uso institucionalizado de câmaras de tortura policiais e abusos rotineiros  por militares, em um país que proíbe a tortura em sua Constituição, mas que ainda tem de aprovar uma legislação que criminalize a violação.

O relatório também revela como a maioria dos detidos são mantidos incomunicáveis ​​– com acesso ao mundo exterior negado, incluindo advogados, famílias e tribunais.  A tortura tornou-se uma parte tão integral do policiamento na Nigéria que muitas delegacias têm, informalmente, um “oficial encarregado da tortura” ou O/C Torture (acrônimo para Officer in Charge of Torture). Eles usam uma série alarmante de técnicas, incluindo extrações de unha ou dente, asfixia, choques elétricos e violência sexual.

Em um incidente emblemático, Abosede, 24 anos, disse à Anistia Internacional como o abuso policial revoltante a deixou com uma lesão permanente: “Uma policial me levou para uma pequena sala, me disse para remover tudo o que eu estava vestindo. Ela abriu bem as minhas pernas e disparou gás lacrimogêneo em minha vagina… Pediram para eu confessar que era culpada de roubo à mão armada… Eu estava sangrando… até hoje eu ainda sinto dor no meu ventre.”

Militares da Nigéria estão cometendo violações de direitos humanos semelhantes, detendo milhares, em busca de membros do Boko Haram. Mahmood, um menino de 15 anos do estado de Yobe, foi preso por soldados junto com cerca de 50 outras pessoas, na maioria meninos entre 13 e 19 anos de idade.

Ele disse à Anistia Internacional que os militares o detiveram por três semanas, espancaram-no repetidamente com as coronhas das armas, porretes e facões, derramaram plástico derretido em suas costas, fizeram-no andar e rolar sobre garrafas quebradas e obrigaram-no a assistir a outros detentos sendo executados extra judicialmente. Ele acabou sendo solto em abril de 2013.

Militares no estado de Yobe, ainda prenderam e bateram em um garoto de 12 anos, derramaram álcool sobre ele, obrigaram-no a limpar vômito com as próprias mãos e pisaram em cima dele. “Os soldados pegam centenas de pessoas, em busca daqueles associados com Boko Haram, então torturam os suspeitos durante um processo de ‘rastreamento’ que se assemelha a uma caça às bruxas medieval”, disse Netsanet Belay.

“A tortura acontece nesta escala, em parte, porque ninguém, inclusive na cadeia de comando, está sendo responsabilizado. A Nigéria precisa de uma mudança radical de abordagem, para suspender todos os policiais contra os quais existem alegações críveis de tortura, para investigar minuciosamente essas alegações e para garantir que os torturadores suspeitos sejam levados à justiça”.

Na maior parte das alegações de tortura contra as forças de segurança do Estado da Nigéria documentados pela Anistia Internacional, não foram realizadas investigações apropriadas e não foram tomadas medidas para levar os suspeitos à justiça.

Quando as investigações internas da polícia ou dos militares acontecem, os resultados não são divulgados e as recomendações raramente implementadas. Das centenas de casos pesquisados ​​pela Anistia Internacional, nenhuma vítima de tortura ou outros maus-tratos foi compensada ou recebeu outra reparação do governo nigeriano.

O governo nigeriano está ciente do problema e criou pelo menos cinco comissões presidenciais e grupos de trabalho na última década sobre a reforma do sistema de justiça criminal e a erradicação da tortura. A implementação destas recomendações, no entanto, tem sido dolorosamente lenta.

“Nossa mensagem para as autoridades nigerianas hoje é clara – criminalizar a tortura, o fim das detenções incomunicáveis e investigar a fundo as alegações de abuso”, disse Netsanet Belay. “Isso marcaria um primeiro passo importante para acabar com essa prática abominável. É hora de as autoridades nigerianas mostrarem que podem ser levadas a sério sobre esta questão. ”

Veja aqui o relatório : Welcome to hell fire: Torture and other ill-treatment in Nigeria”