As autoridades de Burundi reprimiram manifestações com brutalidade e agora o país parece estar a beira de um conflito, adverte a Anistia Internacional em um novo relatório intitulado Braving Bullets – Excessive force in policing demonstrations in Burundi, publicado hoje (23).

As investigações realizadas pela Anistia Internacional em maio e junho de 2015 concluíram que a polícia burundiense usou métodos letais excessivos, inclusive contra mulheres e crianças, para silenciar os que se opõem a que o presidente Pierre Nkurunziza ocupe o cargo pela terceira vez.

“É uma tragédia que os manifestantes tenham que enfrentar balas para tentar ter suas vozes ouvidas”, disse Sarah Jackson, vice-diretora do programa regional da Anistia Internacional para a África Oriental, Península Somali e Grandes Lagos.

“As autoridades burundienses devem investigar com urgência e de forma exaustiva e transparente o uso de meios letais excessivos contra manifestantes, em sua maioria pacíficos, e fazer com que os responsáveis compareçam à justiça. Isto é absolutamente importante para desenvolver a confiança nos serviços de segurança e reduzir o risco de que cidadãos busquem meios mais violentos para expressar seu descontentamento político.”

Até 29 de junho, segundo o alto comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos, ao menos 58 pessoas – entre elas dois policiais, dois militares e um membro da ala juvenil do partido governante, os Imbonerakure – perderam a vida desde que começaram as manifestações em 26 de abril de 2015.

A polícia disparou contra manifestantes desarmados que fugiam dela e não atuou com moderação sequer quando havia menores nas manifestações, pois usou munição real e gás lacrimogêneo.

Embora a maioria dos manifestantes fossem pacífica, alguns usaram violência em resposta ao uso da força excessiva por parte da polícia. A Anistia Internacional documentou que estes manifestantes jogaram pedras que feriram policiais, golpearam uma policial, danificaram propriedades e mataram um membro do Imbonerakure.

Tratar manifestantes, em sua maioria pacíficos, e zonas residenciais inteiras como se fossem parte de uma insurreição foi contraproducente e intensificou os protestos em vez de desarticulá-los.

As violações dos direitos cometidas pela polícia contra os manifestantes – assim como as declarações feitas pelo governo antes dos protestos, qualificando-os preventivamente como insurreição – mostram que as autoridades do Burundi não tratavam somente de dispersas as manifestações, mas também de castigar os manifestantes por exporem suas opiniões políticas.

O ataque contra os manifestantes foi acompanhado de medidas de repressão contra os meios de comunicação. Desde os primeiros dias de protestos, as autoridades impediram que as emissoras de rádio transmitissem fora de Bujumbura. Em 13 de maio, depois que um grupo de militares protagonizou uma tentativa de golpe de Estado, a polícia atacou fisicamente instalações de meios de comunicação independentes que não puderam voltar a transmitir desde então.

Justiça negada

“Apesar da morte de dezenas de manifestantes e de ferimentos causados a outros milhares pela polícia, as autoridades de Burundi não fizeram nenhuma investigação”, disse Sarah Jackson.

“O governo deve suspender das funções os supostos autores até que sejam abertas investigações criminais e ajuizamentos para pôr fim a esta constante brutalidade e impunidade policiais.”

Contrariamente às conclusões do informe, um assessor da presidência disse à Anistia Internacional que alguns dos incidentes foram obra de pessoas que usavam uniforme da polícia, mas não da própria polícia. Segundo o porta-voz adjunto da polícia, há cinco agentes da polícia sendo investigados em relação com as manifestações.

Nenhuma das vítimas ou familiares entrevistados pela Anistia Internacional havia apresentado denúncia contra a polícia; alegaram ter medo de represálias após sofrer intimidação da polícia ou de agentes dos serviços de inteligência.

Uma força policial dividida

Em 8 de julho, o porta-voz da polícia, que fugiu posteriormente do país, concedeu uma entrevista aos meios de comunicação na qual disse que havia surgido uma “polícia paralela” e que “alguns policiais haviam sido assassinados porque tinham opiniões diferentes”.

O informe inclui testemunhos de policiais cada vez mais frustrados pelas ordens que recebiam, contrárias a sua formação de direitos humanos. Alguns policiais se negaram diretamente a obedecer as ordens.

Testemunhos de brutalidade

Uma testemunha dos protestos que ocorreram em 4 de maio perto do viaduto de Ntahangwam, em Bujumbura, disse à Anistia Internacional:

“A polícia disparou contra as pessoas que se manifestavam pacificamente. Foi inacreditável. As pessoas fugiam pelo rio, a polícia disparou contra as pessoas que fugiam pelo rio.”

Um jornalista local contou à Anistia Internacional:

“Uma vez, em Nyakabiga, vi um agente tirando a arma de outro policial depois que este matou um jovem. Ele disse: ‘não recebemos a ordem de disparar contra as pessoas’. Também vi policiais impedindo que seus colegas disparassem munição real contra os manifestantes ou usassem gás lacrimogêneo […]. Mas então chegaram três caminhões e desceram alguns policiais que começaram a disparar antes de irem embora. Vi isto em Nyakabiga, Musaga e Cibitoke em várias ocasiões. […] Ouvi várias vezes policiais dizendo sobre manifestantes: “vamos mata-los” e outros dizendo que não. Uma vez, em Musaga, vi um policial que disse chorando: ‘estou cansado disso, quando vai parar?’”

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