As autoridades brasileiras devem parar imediatamente com as operações policiais letais em que 45 pessoas foram mortas nos últimos dias nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, afirmou a Anistia Internacional.
“Estas operações altamente letais são mais uma demonstração do fracasso sistêmico do Estado brasileiro em pôr fim às execuções extrajudiciais e a outras graves violações dos direitos humanos cometidas no contexto do policiamento. Os governadores e os chefes das forças policiais do país devem reorientar as suas políticas de segurança para assegurar que o uso da força seja feito de acordo com a garantia dos direitos humanos, a começar pelo direito à vida, à integridade e à segurança pessoal”, afirmou Erika Guevara Rosas, Diretora para as Américas da Anistia Internacional.
No estado da Bahia, operações policiais realizadas nas cidades de Salvador, Itatim e Camaçari entre 28 de julho e 1 de agosto resultaram na morte de 19 pessoas. No estado do Rio de Janeiro, uma operação policial realizada em 2 de agosto deixou 10 pessoas mortas e quatro feridas na Vila Cruzeiro, bairro associado a uma das operações mais letais do estado, que deixou 25 pessoas mortas em maio de 2022.
Enquanto isso, na região da Baixada Santista, no estado de São Paulo, uma operação da Polícia Militar iniciada em 28 de julho em resposta à morte do soldado Patrick Bastos Reis no dia anterior (“Operação Escudo”), de acordo com informações oficiais, resultou na prisão de 181 pessoas até a manhã de 4 de agosto. Além disso, de acordo com informações da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, estão sendo investigadas as mortes de pelo menos 19 pessoas, alegadamente em resultado da mesma operação policial.
Enquanto moradores da Baixada Santista relatam episódios de tortura, ameaças e intimidações, invasões de domicílio, agressões, execuções e outros abusos, o anúncio de que a Operação Escudo será mantida por um período de 30 dias levanta preocupações sobre novas mortes e a escalada de violações.
“Diante de tais violações, não podemos jamais esquecer os episódios conhecidos como os Crimes de Maio de 2006 em São Paulo e na Baixada Santista, onde num período de duas semanas 564 pessoas foram mortas numa operação de vingança em resposta à morte de policiais”, disse Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
“A nossa organização documentou e acompanhou este caso e, passados 17 anos, ainda não foi garantido às famílias das vítimas o direito à verdade, à justiça e à reparação”.
Necessidade de um controle externo da atividade policial
A recorrência destas operações altamente letais demonstra também a falta de controle externo da atividade policial no país. É urgente que o Ministério Público, que tem o dever constitucional de exercer esse controle, implemente todas as medidas necessárias para garantir investigações rápidas, eficazes e imparciais sobre os assassinatos, a fim de identificar todos os envolvidos e promover a devida responsabilização dos autores, incluindo as cadeias de comando.
Devem também tomar medidas urgentes para pôr fim às violações, bem como medidas de não repetição e outras formas de reparação integral e efetiva para as vítimas e suas famílias, bem como para as comunidades afetadas.
Por isso, no dia 4 de agosto, a Anistia Internacional, o Instituto Vladimir Herzog, a Conectas Direitos Humanos e a Human Rights Watch enviaram uma carta ao Ministério Público do Estado de São Paulo solicitando uma investigação sobre as mortes por intervenção policial ocorridas durante a Operação Escudo.
O impacto letal da “guerra às drogas”
As ações levadas a cabo nestes três estados são motivadas, segundo as autoridades locais, pela “luta contra as facções ligadas ao tráfico de drogas”. Há duas décadas, a Anistia Internacional vem manifestando preocupação com as graves violações de direitos humanos cometidas no contexto da chamada “guerra às drogas”, cujo impacto, impulsionado pelo racismo, é desproporcional e discriminatório contra a população predominantemente jovem e negra, moradora de favelas e periferias.
De acordo com dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 17 pessoas por dia foram mortas por intervenção policial no Brasil em 2022, com um total de 6.429 mortes. Os estados da Bahia e do Rio de Janeiro estão entre os mais mortais do país, ocupando o segundo e o terceiro lugar, respetivamente. No estado de São Paulo, apesar de uma tendência de queda na letalidade nos últimos anos, inclusive com a adoção de câmeras nos uniformes dos policiais militares, a violência aumentou nos últimos meses: segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do estado, entre janeiro e junho de 2023, 171 pessoas morreram em decorrência de intervenção policial no estado, um aumento de 26% em relação ao mesmo período do ano passado.