São gravíssimas as acusações que o governo brasileiro tem feito aos povos indígenas, em especial à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), de supostamente serem responsáveis pelas queimadas  na Amazônia e no Pantanal e estarem cometendo “crime de lesa-pátria”, por associação a organizações internacionais em defesa da Amazônia. As menções por parte do general Augusto Heleno, Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, à Lei de Segurança Nacional evocam um dispositivo amplamente utilizado no período do Regime Militar e são um incentivo à perseguição dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, especialmente as que atuam na defesa dos direitos indígenas, como a APIB. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro utilizou seu tempo de discurso nas Organizações das Nações Unidas para acusar injustamente as populações indígenas e tradicionais, omitindo as verdadeiras causas das queimadas na Amazônia e no Pantanal, que são invasões de terras para atividade ilegal da pecuária, e eximindo-se da responsabilidade em conter o fogo e preservar nossas florestas.

É evidente que a crise ambiental e de direitos humanos que os povos indígenas estão enfrentando são consequências da omissão do governo federal em cumprir seu papel constitucional de garantia de direitos. Os discursos e as práticas de altas autoridades do Estado brasileiro culpabilizando organizações não governamentais, perseguindo movimentos sociais, criminalizando defensores de direitos humanos e lideranças indígenas e enfraquecendo órgãos ambientais e a FUNAI são muito problemáticos e revelam a deterioração dos direitos humanos no Brasil. É necessário que a sociedade civil e as instituições brasileiras se unam em defesa dos povos indígenas, cujos direitos fundamentais e o direito à terra estão sendo ameaçados e violados”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional.

A liberdade de expressão dos indígenas, o direito deles de lutar por suas terras, pelas florestas, por sua saúde e para terem respeitados seus meios e modos de vida são garantias consistentes com os compromissos e com os tratados internacionais que o Brasil ratificou. Ao se posicionar criminalizando essas populações, as acusando de crime de lesa pátria e mencionando a Lei de Segurança Nacional, o governo federal trata os críticos às suas políticas ambientais como inimigos. Durante o Regime Militar, os militares utilizaram essa lei para perseguir, prender, torturar e executar opositores. O Brasil deveria se envergonhar de lançar mão de tal dispositivo que tanto violou os direitos fundamentais de brasileiros e brasileiras, num período sombrio da nossa história recente”, completa Jurema.

Apesar de o governo negar a gravidade das questões ambientais, sobretudo na Amazônia, as evidências científicas revelam a negligência e o descaso de sua parte. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que sob o governo Jair Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia cresceu 34% de agosto de 2019 a julho de 2020, em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Os ataques aos povos indígenas e à APIB são estimulados por uma política antiambiental e antidireitos humanos. A APIB tem cumprido um importante papel ao dar visibilidade a números da Covid-19 nas aldeias e territórios indígenas. Até o momento foram 32.990 casos confirmados, sendo 825 óbitos, em 158 povos afetados. Neste período de pandemia da Covid-19, além do enfrentamento ao vírus, os indígenas têm se preocupado com as crescentes invasões de suas terras por grileiros, madeireiros e garimpeiros, estimulados por discursos do presidente da república e alguns de seus ministros, contrários às demarcações de terras indígenas e a proteção e conservação da floresta em pé.

Já em 2019, a Anistia Internacional denunciou atividades ilegais da pecuária na Amazônia na pesquisa “Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia brasileira”. Nela, documentamos, em terras indígenas e reservas, como a pecuária na maior floresta tropical do mundo contribui para o desmatamento e violações de direitos dos povos que vivem e dependem da floresta.

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