*Publicado originalmente na revista Time

Dom Phillips / Rio de Janeiro 10.nov.2014

©Luiz Baltar

A morte de dez pessoas em uma cidade do Nordeste do Brasil na semana passada, por uma milícia supostamente ligada à polícia militar do país, tem levantado temores de um problema crescente com a violência policial, em um país onde novos números revelam que 2.212 pessoas morreram em confrontos com policiais no ano passado.

Dez civis foram mortos a tiros na terça-feira nos subúrbios de Belém, uma cidade no estado do Pará, em uma noite sangrenta de violência que durou até as primeiras horas da manhã. O massacre, aparentemente realizado por um único grupo de homens mascarados, seguiu o assassinato de um oficial de polícia horas mais cedo que foi acusado de estar envolvido em uma “milícia” – no Brasil, o termo utilizado para uma organização criminosa que incluem ex-policiais e/ou policiais em serviço.

“Há uma grande probabilidade de que se não houve o envolvimento de policiais ativos, então havia pessoas que já passaram pela polícia”, disse Anna Lins, uma advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. “Foi execução sumária”.

Ela faz parte de uma coalizão de grupos de direitos humanos, políticos e ONGs que pedem um inquérito da assembleia estadual sobre as milícias no Pará. “Nós não queremos que a polícia aja sozinha nessa investigação”, disse Lins.

Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, disse que há fortes indícios de que policiais estavam envolvidos. “Foi um massacre orquestrado para matar pessoas”, disse ele.

A noite de caos começou quando Antônio Figueiredo, também conhecido como ‘Pet’, foi morto a tiros quando chegava em casa no início da noite, em 4 de novembro. Ele era um cabo na força-tarefa especial, ROTAM, da Polícia Militar do estado – força policial ‘ofensiva’, que trabalha ao lado da polícia civil, que é responsável pelas investigações.

A Anistia disse que seus colegas policiais utilizaram as redes sociais para pedir vingança. “Nosso irmãozinho Pet acaba de ser assassinado”, disse uma mensagem postada no Facebook pelo colega de Figueredo, sargento Rossicley Silva. “Vamos dar a resposta.” Ele culpou uma guerra entre gangues rivais.

Mais tarde, um comboio de homens mascarados em motocicletas e em dois carros atravessou os bairros dominados pelos crime Terra Firme e Guamá, entre outros, matando aleatoriamente moradores até a madrugada. A polícia já abriu uma investigação.

Sargento Silva disse mais tarde que a sua postagem no Facebook tinha sido mal interpretada. “Eu pedi apoio no sentido de combater a criminalidade. Nosso objetivo não é a vingança”, disse Silva, segundo o site de notícias local Diário Online.

Um porta-voz da polícia civil de Belém, o departamento que lida com as investigações, disse à Time que Figueiredo estava suspenso das suas funções por motivos de saúde no momento da sua morte e estava sendo investigado por dois homicídios.

Um porta-voz da polícia militar disse que não era possível confirmar uma ligação entre as mortes, das quais seis aconteceram próximas umas das outras e cinco aleatoriamente. “Todas as perguntas, análises e conclusões relativas ao caso e da participação ou não da polícia militar nos eventos em questão estão sendo investigadas e serão tornadas públicas”, disse o porta-voz, em um e-mail.

O Pará tem uma taxa de homicídios de 41,7 por 100 mil, de acordo com dados de 2012 do Mapa da Violência produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Rio. A taxa de homicídios de Los Angeles no mesmo ano foi de 7,8 por 100.000.

Um morador de Terra Firme, que pediu para não ser identificado por razões de segurança, afirmou que a milícia de Figueiredo estava competindo pelo controle do tráfico de drogas nas favelas sem lei, onde grande parte das mortes ocorreram. A milícia também atua como um esquadrão da morte, disse o residente, contratada por empresas locais para matar membros de gangues de drogas. “Eles são como vigilantes que matam bandidos, então eles se tornam assassinos.”

Quando ‘Pet’ foi morto por volta de 19:30 em 4 de novembro, os moradores comemoraram com o lançamento de fogos de artifício. “Pet foi acusado de matar muitos jovens, ele liderou um grupo de extermínio”, disse o morador. Alguns moradores já foram colocados sob proteção a testemunhas.

Eliana Pereira, da ouvidora do Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará e ativista dos direitos humanos, disse que as mortes por vingança em Belém não são fora do comum para as milícias ligadas a policiais. “Este não é o primeiro caso. Houve outros massacres “, disse ela, citando o caso do ex-policial militar Rosivan Moraes Almeida, condenado a 120 anos de prisão em outubro por matar seis adolescentes em 2011.

O Rio de Janeiro há muito tempo lutou contra um problema com milícias envolvendo policiais em serviço e ex-policiais envolvidos em atividades como carregamento de dinheiro de proteção e controle de fornecimento de gás e TV a cabo nas áreas mais pobres.

A Anistia Internacional disse que o massacre foi representante de um problema mais amplo com a violência policial no Brasil. “A polícia brasileira é uma das forças que mata mais no mundo”, disse Ciconello, assessor da Anistia.

De acordo com dados anuais lançados em 11 de novembro no Fórum Brasileiro de ONGs de Segurança Pública, dentro e fora de serviço, a polícia brasileira matou 11.197 pessoas nos cinco anos até o fim de 2013. A título de comparação, o Fórum disse, a polícia dos Estados Unidos matou 11.090 pessoas nos últimos 30 anos.

O morador de Terra Firme disse que aqueles que foram mortos em Belém, incluem um homem de 20 anos de idade, trocador de um micro-ônibus local e um rapaz de 16 anos de idade. “Queremos que o Estado investigue e viver em uma sociedade com paz social”, disse o morador.

Nota: Anistia Internacional pede investigação imediata da chacina de 4/11 em Belém (PA).

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