Com índices de desmatamento batendo recordes sucessivos e quando os olhos do mundo se voltam cada vez mais para a Amazônia brasileira, nesta quarta-feira, 28 de abril, a Anistia Internacional promove ações de pressão no Brasil e em outros países, para exigir que a JBS pare de comprar gado bovino que tenha pastado ilegalmente em área protegidas na floresta amazônica.

Entre as avenidas e ruas de São Paulo, um caminhão estilizado contendo réplicas de gado bovino vai circular com mensagens como “Comprar gado ilegal é financiar a violação de direitos humanos na Amazônia” e seguirá em direção à sede da JBS. Eletronicamente serão entregues 57.471 assinaturas de pessoas de 84 países da petição “Diga à JBS para não comprar gado ilegal da Amazônia” à diretoria da empresa no mesmo dia em que é realizada a Assembleia Anual de Acionistas da empresa. A Anistia Internacional escolheu esse dia para chamar a atenção investidores da JBS para as violações de direitos humanos que a atividade da empresa, se não devidamente monitorada, pode contribuir.

Na terça-feira, 27 de abril, às 17h, a Anistia Internacional se reuniu remotamente com Marcio Nappo, Diretor de Sustentabilidade da JBS e Alexandre Kavati, da área de monitoramento de fornecedores da empresa, para marcar também essa entrega das adesões à petição e cobrar da empresa quais as ações estão sendo realizadas e previstas para a proteção e garantia dos direitos humanos na sua cadeia direta e indireta de fornecimento.

“A conservação da Amazônia passa também pela proteção das populações que habitam a região. Exigimos o fim das violações de direitos humanos de brasileiros e brasileiras que vivem lá. Como sociedade civil organizada, a Anistia Internacional se une as mais de 57 mil pessoas no mundo para cobrar medidas efetivas da JBS para que informações sobre sua cadeia de fornecimento sejam transparentes e que seus negócios não ponham em risco nenhum indígena ou morador dessas áreas protegidas”, afirma Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.

Direcionada ao CEO da JBS, a petição, lançada em julho de 2020, exige que a empresa implemente um sistema de monitoramento eficaz, incluindo seus fornecedores indiretos, até o final de 2020; a JBS deve corrigir, por si mesma ou em cooperação com seus fornecedores, os abusos e violações de direitos humanos sofridos por povos indígenas e moradores de áreas protegidas e ainda deve compensar, em cooperação com seus fornecedores, as comunidades indígenas e das reservas por danos ambientais causados pela pecuária comercial ilegal em suas áreas protegidas. As medidas, no entanto, não foram adotadas.

“A JBS precisa assumir um compromisso público em parceria com seus fornecedores, para indenizar indígenas e moradores das áreas protegidas onde houve criação de gado ilegal. A criação de gado ilegal favorece outras práticas também associadas às violações de direitos humanos como a grilagem, a invasão de terras e o desmatamento. Os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia e a Anistia Internacional também chama atenção para as pessoas que vivem sob ameaças constantes, nesses territórios”, aponta Jurema.

O relatório

A Anistia Internacional lançou a petição junto com o relatório Da Floresta à Fazenda, que denunciou a presença de gado criado de forma ilegal em áreas protegidas da floresta amazônica brasileira na cadeia de fornecimento da maior produtora de carne bovina do mundo.

O relatório revelou que, em 2019, a empresa comprou gado criado em fazendas ilegais no estado amazônico de Rondônia. Localizadas em áreas protegidas, essas fazendas operavam ilegalmente na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau e nas Reservas Extrativistas do Rio Jacy-Paraná e Rio Ouro Preto.

Apresentamos neste documento uma associação entre destruição da floresta, a criação de gado e violações de direitos humanos que precisa parar urgentemente”, aponta Jurema.

Horas após a divulgação do documento, o Ministério Público Federal em Rondônia anunciou que iniciaria uma investigação sobre as conclusões da Anistia Internacional sobre a JBS. Alguns dias depois, um ex-auditor que monitorava a cadeia de suprimentos da JBS acusou a empresa de alegar falsamente que suas operações na Amazônia brasileira são livres de desmatamento. Em 28 de julho, a principal casa de investimentos europeia Nordea Asset Management retirou a JBS de seu portfólio por causa de ligações com desmatamento na Amazônia.

Ao não monitorar efetivamente a entrada de gado bovino em sua cadeia indireta de fornecimento, a JBS falhou na adoção de um processo adequado de devida diligência como estabelecido nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. De acordo com os Princípios Orientadores da ONU, a JBS contribui para abusos de direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais residentes em reservas extrativistas ao participar nos incentivos econômicos para o gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas, afirmou, à época, a Anistia Internacional.

Em 23 de setembro de 2020, a JBS anunciou que iria introduzir um novo sistema para monitorar seus fornecedores de gado, incluindo seus fornecedores indiretos, até 2025. A Anistia Internacional considera esse cronograma muito distante. Em novo anúncio, em 23 de março de 2021, a JBS estabeleceu um “compromisso de atingir as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) até 2040”, incluindo uma promessa de “atingir o desmatamento zero em sua cadeia de fornecimento global até 2035”.

“Desde 2009 a JBS está ciente dos riscos de que o gado pastado ilegalmente em áreas protegidas pode entrar em sua cadeia de abastecimento, e já se comprometeu a monitorar seus fornecedores indiretos até 2011, o que não ocorreu como mostra o relatório da Anistia Internacional. A Anistia Internacional reafirma que a JBS deveria ter implementado a devida diligência e medidas preventivas até o final de 2020. Os compromissos assumidos pela empresa precisam ser efetivos na prática e devem ser percebidos por quem vive na Amazônia”, aponta Jurema.

Está tudo conectado

A Amazônia brasileira tem ganhado destaque mundo afora nos últimos anos, mas não pela riqueza da sua biodiversidade, e sim por uma mistura preocupante: desmatamento, queimadas e atividade pecuária. Está tudo conectado, como a Anistia Internacional vem alertando desde 2019.

O relatório “Da Floresta à Fazenda” é o terceiro trabalho de um diagnóstico que a Anistia Internacional desenvolve na Amazônia brasileira desde o começo de 2019. E dá continuidade à pesquisa anterior realizada pela Anistia Internacional, em áreas protegidas da Amazônia, alertando para o risco iminente de conflitos e desmatamento, documentando violência contra povos indígenas e expondo a pecuária bovina como o principal fator que impulsiona a nova onda de desmatamento da floresta.

As queimadas na maior floresta tropical do mundo, que em 2019 mobilizaram políticos e artistas estrangeiros a exigir a proteção da Amazônia, foram só o começo de uma equação que gera prejuízo ambiental e social. A maioria desses incêndios faz parte de um processo mais amplo pelo qual a floresta amazônica é convertida ilegalmente em áreas de pastagem de gado, apontou o relatório “Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia”.

Além das queimadas, o desmatamento, que acumula recordes contínuos nos últimos anos, abre caminho para violações de direitos humanos como a grilagem e a invasão de terras, que são executadas com métodos violentos e ameaças de morte.

“A Anistia Internacional reforça que está tudo conectado: queimadas, desmatamento e a atividade pecuária na Amazônia. Todas essas ações geram graves violações de direitos humanos que precisam parar urgentemente. É obrigação dos governos estaduais e federal investir em fiscalização e incentivar a proteção da floresta. E empresas que atuam na região, como a JBS, também devem se unir para exercer suas atividades de forma econômica, social e ambientalmente seguras”, explica Jurema.

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