A cidade foi escolhida devido às grandes obras e intervenções urbanas que estão sendo implementadas como preparação para os megaeventos esportivos. A Prefeitura afirma que, desde 2009, mais de 19 mil famílias foram removidas.
“Há evidências de situações de violação do direito à moradia e remoções forçadas na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de grandes intervenções urbanas e preparação para os megaeventos esportivos. A campanha quer chamar atenção das autoridades locais para violações que já aconteceram e evitar que elas se repitam”, afirma a assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil, Renata Neder.
Ao analisar os casos de famílias removidas pela Transoeste e a situação do Morro da Providência e da Vila Autódromo, a Anistia Internacional identificou violações como a falta de acesso à informação e diálogo com as comunidades, prazo de notificação insuficiente, reassentamento em área distante e/ou local inadequado e indenizações financeiras muito baixas, além daqueles que não receberam nada.
Além de violar os direitos dos moradores, este quadro reforça um processo de segregação espacial e elitização da cidade, aprofundando desigualdades urbanas.
Durante dois meses, a campanha Basta de Remoções Forçadas irá recolher assinaturas para uma petição endereçada ao prefeito da cidade solicitando medidas para evitar as remoções forçadas e o cumprimento das salvaguardas legais quando as remoções forem estritamente necessárias. No ano que vem, a campanha será levada a outras cidades do Brasil, onde também estão ocorrendo remoções forçadas por conta de grandes obras e preparação para grandes eventos esportivos.
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Dados sobre remoções na cidade do Rio de Janeiro
Segundo informações fornecidas pela Prefeitura, 19.220 famílias já foram removidas desde 2009.
o 8.980 receberam apartamentos do Minha Casa, Minha Vida.
o 5.955 foram receber aluguel social – ajuda de custo mensal de R$ 400.
o 4.285 aceitaram uma “compra assistida” ou receberam indenizações.
CASOS ABORDADOS
TRANSOESTE
São quatro grandes projetos de mobilidade em curso na cidade, com vias expressas ligando diferentes áreas da cidade a Transoeste (ligando os bairros de Campo Grande e Santa Cruz à Barra da Tijuca, a Transcarioca (ligando a Barra da Tijuca ao aeroporto internacional Antonio Carlos Jobim), a Transolímpica (ligando a Barra da Tijuca a Deodoro) e a Transbrasil (ligando as áreas de competição à Avenida Brasil).
Entre 2010 e 2011, a construção da Transoeste removeu cerca de 500 famílias em três comunidades – Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II:
• As remoções começaram dias antes do Natal e algumas casas foram demolidas à noite. Alguns moradores tiveram que deixar suas casas no mesmo dia. Outros receberam uma notificação dando apenas 10 dias para sair.
• O reassentamento foi feito em áreas muito distantes, como Campo Grande.
• As indenizações oferecidas foram muito baixas – algumas de R$ 8 mil. Com esse valor, não é possível conseguir outra casa nem em uma comunidade na região, forçando o morador a ir para áreas mais distantes e a permanecer na informalidade.
• Alguns moradores até hoje não receberam nada.
• Parte da área da Vila Recreio II e da Vila Harmonia não foi utilizada pela Transoeste.
Depoimentos
“Não foi uma remoção, foi uma expulsão. Trataram a gente que nem lixo. Eles disseram que lugar de pobre não era mais no Recreio, que a gente tinha que ficar bem longe daqui. Não recebi nem um real, nem uma bananada eles me deram.”
“Eles chegaram com Guarda Municipal e garis da Comlurb, o pessoal foi invadindo as casas. Quem se negava a tirar [suas coisas], eles ameaçavam de prisão. Os garis iam tirando os moveis pra fora. Chegaram os caminhões da Prefeitura até da própria Comlurb pra botar os móveis dentro. E eles falavam pras pessoas: ou vocês escolhem um lugar pra mandar [os móveis] ou vamos levar pro deposito e quebrar tudo lá.” (Michel Souza dos Santos, ex-morador da Restinga, tem 31 anos e morava la há 12 anos)
“De uma certa forma, eu perdi a minha casa por causa da Copa. Eu não consigo mais sentir aquela alegria com a Copa depois disso…” (Jorge Santos, ex-morador da Vila Recreio II, morava lá há 16 anos). Jorge foi o último morador a ser removido.
Ele e mais 11 famílias só receberam a indenização no final de 2012, mais de um ano depois da remoção da comunidade.
MORRO DA PROVIDÊNCIA
• É a primeira favela do Brasil
• São cerca de 650 famílias ameaçadas de remoção
• 196 famílias já foram removidas, destas 136 estão recebendo aluguel social, enquanto esperam reassentamento em apartamentos prometidos pela Prefeitura – que deveriam ter ficado prontos no inicio de 2012, mas ainda não foram entregues. A maior parte nem começou a ser construído.
Depoimentos
“Eles estão vendo a favela como um empecilho ali no meio do Porto. A Providência está sendo vista como um ponto negativo. Eles estão tirando aos poucos. Depois eles vão vir tirar o resto.” (Alessandra Lins, moradora da Providência)
“Falavam para os moradores que tinham que sair: “Você tem que sair. Não tem opção de sim ou não, você tem que sair porque a obra vai continuar e o projeto tem que finalizar. Você não tem escolha. Você não quer sair agora, mas mais pra frente você vai ser obrigado a sair.” (morador da Providência)
“A realidade é essa, o nome da Providência mudou: É o ‘Morro do Mingau’ porque estão comendo tudo pelas beiradas!” (morador da Providência)
VILA AUTÓDROMO
• Toda a comunidade, com cerca de 600 famílias, está ameaçada de remoção.
• Há 20 anos sofrem ameaças de remoção, a 1° tentativa foi em 1993.
• Diversos argumentos foram usados ao longo dos anos para justificar a remoção. Os mais recentes são relacionadas às Olimpíadas, mas não há um projeto claro que mostre que é necessário remover a comunidade.
“Não há nenhum legado para o povo. Há um legado para os governantes e o bolso dos empresários.” (Jane Nascimento, moradora da Vila Autódromo)
“A saúde da gente fica mais frágil, porque a gente fica com esse pensamento. Para falar a verdade a gente não dorme nem de noite porque dorme preocupado. E quando a gente dorme preocupado, a gente não dorme direito. Hoje tenho 54 anos. Se a comunidade sair, eu não posso ir para um apartamento. Eu não vou mais conseguir emprego. Sou hipertenso. Trabalho aqui dentro da comunidade mesmo. Se eu sair daqui, eu perco a casa e o emprego. Eu faço de tudo, limpeza, mato mosquito, varro a rua, capino mato, limpo quintal. Se eu sair daqui, eu não tenho renda de nem 1 centavo.” (João Felix dos Santos, que há 19 anos sofre ameaça de remoção na Vila Autódromo)
“Não deveriam querer nos tirar só por que aqui a terra é valorizada. Quer dizer, toda vez que a terra é valorizada vão chutar o pobre pra longe como se fossemos uns trapos? Essa terra aqui há 40 anos atrás não tinha valor nenhum, eles não tinham interesse aqui. Isso aqui era tudo gigoga, mato, terra arenosa, pantanosa, os pescadores iniciaram a comunidade com muito sacrifício e ninguém veio aqui ameaçar porque era uma terra desvalorizada. Então agora chega a especulação imobiliária, valoriza a terra e vão nos chutar. Uma coisa muito grosseira e covarde.” (Luiz Claudio da Silva, 50 anos, morador da Vila Autódromo)
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O que é uma remoção forçada?
Uma remoção forçada é a remoção de pessoas – contra sua vontade – das casas ou terras que ocupam sem a provisão ou a garantia do acesso ao devido processo e salvaguardas legais. De acordo com a legislação internacional, as remoções só podem acontecer como um último recurso, quando todas as outras alternativas já foram esgotadas e apenas se as devidas salvaguardas legais estiverem implementadas.
Estas incluem consulta com as pessoas impactadas, notificação com antecedência suficiente, provisão de moradia alternativa adequada e compensação por todas as perdas, acesso a assessoria jurídica e recursos legais quando necessário. As autoridades devem garantir que ninguém fique desabrigado ou vulnerável a outras violações de direitos humanos como consequência de uma remoção.
A moradia adequada é um direito humano e inclui o direito de todo o ser humano viver em um lugar com segurança, paz e dignidade, e de estar protegido de remoções forçadas.
Segundo uma série de acordos e tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil tem a obrigação de respeitar, proteger e promover o direito à moradia adequada e a não realizar remoções forçadas. O direito à moradia adequada está estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana Direitos Humanos, dentre outros.
No Brasil, a moradia é um direito reconhecido no artigo 6o da Constituição Federal de 1988. Outros dispositivos legais e normas relevantes que regem o tema da moradia e remoções forçadas no contexto urbano, tais como o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257 de 2001), a Lei n. 11.124 de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, e a Lei Orgânica Municipal do Rio de Janeiro, artigo 429.