Novo relatório da Anistia Internacional expõe o aumento de mortes sectárias e raptos cometidos pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS, na sigla em inglês), desde que no mês passado este grupo armado rebelde tomou o controle de Mossul, segunda maior cidade iraquiana, e outras regiões no noroeste do país.
“Northern Iraq: Civilians in the line of fire” (Norte do Iraque: Civis na linha de fogo), publicado na última segunda-feira, 14 de julho, contem relatos angustiantes de civis deslocados que fugiram das áreas que caíram sob controle do ISIS, os quais temem pelas suas vidas depois de terem testemunhado raptos e assassinatos de familiares cometidos pelo grupo armado e diante do risco cada vez maior de serem atingidos pelos raides aéreos feitos pelas forças governamentais para conter a rebelião.
Donatella Rovera, pesquisadora da Anistia Internacional que regressou recentemente de uma missão no norte do país, recorda que “mais uma vez, os civis no Iraque vêem-se cercados por todos os lados numa espiral de violência sectária”: “Centenas de milhares de pessoas fugiram das suas casas com medo dos raptos e dos assassinatos cometidos pelos combatentes do ISIS e dos bombardeios aéreos do exército iraquiano, com ambos os lados no conflito revelando um total desprezo pelas leis internacionais de direitos humanos”.
Esta onda de violência no Norte do Iraque já tem centenas de milhares de refugiados civis, que fugiram principalmente para as áreas curdas sob administração do Governo Regional do Curdistão. Recentemente as autoridades locais restringiram o acesso a estas zonas para iraquianos não curdos que fogem da violência, deixando civis totalmente sitiados e sem refúgio seguro. A Anistia Internacional insta as autoridades curdas a inverterem nesta decisão e, assim, permitirem acesso a todos os civis que fogem do conflito.
ISIS arrasa cidades, vilas e aldeias não sunitas
Em todas as cidades, vilas e aldeias que caíram sob o controle do ISIS repetem-se os relatos de raptos. Muitas das pessoas levadas continuam desaparecidas, outras foram encontradas mortas.
A Anistia Internacional entrevistou os familiares de um rapaz de 18 anos, de Gogjali, a leste de Mossul, e de um tio seu, de 44 anos, que foram raptados pelo ISIS num posto de controle de estrada em 20 de junho, e posteriormente mortos. A mãe do adolescente encontrou os corpos, mutilados, dois dias após o desaparecimento – esta mulher mostrou à pesquisadora da Anistia Internacional fotografias dos cadáveres: as cabeças tinham sido esmagadas com objetos pesados e as mãos estavam algemadas atrás das costas. Um deles tinha a garganta cortada e o corpo estava parcialmente queimado. A família destas vítimas, da comunidade shabak (minoria oriunda do xiismo), fugiu imediatamente de Gogjali.
“Estes brutais ataques contra civis mostram claramente às comunidades não sunitas que não estão seguras em zonas controladas pelo ISIS”, sublinha Donatella Rovera. “Os raptos e mortes dos prisioneiros parecem estar entre as ferramentas usadas pelo grupo para esmagar a oposição e intimidar os civis”, prossegue Rivera.
A organização de direitos humanos documentou uma série de incidentes em que os sequestros do ISIS foram seguidos pelos assassinatos das pessoas raptadas.
Num desses casos, três policiais xiitas foram sumariamente executados pelo ISIS logo depois de terem sido capturados numa esquadra em Mossul. Em outro caso, ocorrido em 27 de junho passado, e reportado por testemunhas locais, combatentes do ISIS mataram outros três homens xiitas que tinham sequestrado na aldeia shabak de Tobgha Ziyara, tendo posteriormente deitado os corpos no leito de um rio seco nas imediações. Os moradores daquela aldeia declararam ainda que a zona ficara totalmente desprotegida desde a retirada das forças militares iraquianas em 10 de junho.
“O ISIS continua arrasando as vilas no Norte do Iraque que ficaram desprotegidas desde a partida do exército há cerca de um mês. O grupo também está aterrorizando a população não sunita por todo o país, provocando êxodos maciços, as pessoas estão fugindo para não morrer”, explica Donatella Rovera.
Forças governamentais também violam direitos humanos
A recente onda de violência no Iraque ocorre num contexto de antigas tensões inter sectárias no país e brutais picos de violência entre sunitas e xiitas.
O ISIS não é, porém, o único interveniente no conflito que está cometendo crimes de guerra. A missão da Anistia Internacional no Norte do Iraque recolheu provas de que mais de 100 sunitas foram mortos a sangue frio e sob custódia das forças governamentais ou de milícias xiitas em ataques de pura vingança, antes da retirada das cidades de Tal’Afar, Mossul e Baquba durante o avanço dos combatentes do ISIS sobre esta região.
Uma mulher ouvida pelos pesquisadores da organização de direitos humanos descreveu os ferimentos horríveis no corpo de um familiar que estivera detido na prisão de Tal’Afar: “Tinha sido alvejado várias vezes na cabeça e no peito, todo o corpo estava coberto de sangue, mas era difícil perceber se o sangue era dele ou de outros porque os cadáveres estavam todos empilhados”.
Os bombardeamentos de artilharia pesada e raides aéreos indiscriminados feitos pelas forças governamentais contra as aéreas controladas pelo ISIS também mataram e feriram dezenas de civis, e forçaram muitos a fugir de suas casas. Tais bombardeamentos e raides cresceram significativamente nas últimas semanas, aumentando o risco de vida para os civis.
“Todos os lados cometeram crimes de guerra e violações graves de direitos humanos num ciclo de violência cada vez maior no Iraque. A segurança dos civis é fundamental. Ambos os lados no conflito têm de parar de matar quem têm detido, e tratar estas pessoas de forma humana, além de refrearem os ataques indiscriminados, incluindo o uso de bombardeamentos de artilharia pesada e raides aéreos sobre zonas densamente povoadas”, insta Donatella Rovera.