A cantora e compositora Alicia Keys foi homenageada pela Anistia Internacional com o Prêmio Embaixador de Consciência por seu apoio e ativismo pelos direitos humanos. Leia a seguir a íntegra de seu discurso durante a entrega do prêmio, no último dia 27 de maio, no Canadá.

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“Fico imaginando…

Quando será que ficaremos acima do caos

Da confusão

Do ódio

Das mentiras

Que nos destroem

Gostaria de saber…

Quando será que vamos nos ver uns aos outros como iluminados

E como crianças

Tal como inocentes a serem protegidos

E a cor como irrelevante

E amor como tudo

Fico imaginando…

Porque eu sei que somos mais do que a tragédia

Mas todos os dias aparece outra

À minha esquerda e à minha direita

Com perguntas sem resposta

E sem responsabilização

Mas quando nos observo, vejo

O que poderíamos ser

Livres do caos e repousando

Mas eu só queria saber …

Quando será que vamos ficar acima do

Passado

Essas coisas que nos foram ensinadas

A confusão

O ódio

As mentiras

Que nos desunem

Mas eu só queria saber…

Quando será que vamos nos ver uns aos outros como iluminados

E como crianças

Tal como inocentes a serem protegidos

E a cor como irrelevante

E amor como tudo

Fico imaginando…

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

E irmandade!

Não vou recitar toda a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Apenas esse primeiro artigo, o Artigo Primeiro.

Durante muito tempo, eu nem sabia que havia uma declaração universal de direitos humanos. Muitos outros além desta sala não sabem que existe. Ou talvez saibam, mas intencionalmente viram as costas. Ignoram.

Livres e iguais em dignidade e em direitos.

Parte verdade, parte promessa, feita há quase 70 anos. Uma ideia de uma simplicidade tão perene. Tão clara tão razoável.

No entanto, há pessoas entre nós esta noite, nesta terra, neste território do povo Kanien’kehá: ka, para as quais a defesa desses princípios básicos tem sido uma luta penosa, uma jornada que exigiu uma resistência e determinação desmesuradas, um trabalho da vida inteira. Pessoas notáveis. Pessoas corajosas. Cindy Blackstock, senadora Sinclair, Delilah, Melissa, Widia, Melanie, me sinto pequena diante de suas conquistas.

Do outro lado da fronteira, na terra dos livres, onde nasci, existe a mesma luta. Pergunto-me por que os povos nativos são os mais oprimidos? Aqueles que já estavam aqui há muito mais tempo? Os que construíram um país inteiro com suor e lágrimas ainda precisam lutar por sua dignidade? Por que ainda estamos lutando para sermos vistos, para sermos ouvidos? Para sermos respeitados? Para sermos…

Livres e iguais.

Na América do Norte, somos livres e iguais no papel, mas não na realidade. As mulheres ainda recebem salário menor do que os homens. As crianças ficam sem comida, sem cuidados de saúde. Nossas irmãs e irmãos LGBTQ são vítimas de crimes de ódio. E a cor da nossa pele determina se chegamos em casa vivas depois de uma rotineira blitz policial de trânsito.

Penso em Jordan Edwards, de apenas 15 anos, alvejado por um policial quando saía de uma festa. Terence Crutcher, pai de quatro filhos, de Tulsa, Oklahoma, desarmado e alvejado por uma policial branca chamada Betty Shelby. Eu penso em Richard Collins III, universitário negro, esfaqueado até a morte por um desconhecido branco dias antes da formatura na semana passada. E Sherrell Faulkner, a 11ª mulher trans negra morta neste ano nos EUA, colocando 2017 a caminho de ser o ano mais mortal até agora para a comunidade transgênero.

Livres e iguais?

Mas há tantas luzes na escuridão. Ericka Huggins. O legado de sua luta, a perseguição e os sacrifícios que você suportou defendendo esses mesmos princípios. Você nos mostrou que, apesar do desgaste, nenhum governo, nenhum presidente, passado ou presente, pode nos roubar a visão de um mundo mais seguro e mais justo, onde as Vidas Negras Importam [Black Lives Matter] e o calor sufocante da opressão são transformados no sonho do Dr. Martin Luther King de um oásis de liberdade e justiça.

Ativistas que pressionam pela reforma da justiça penal, famílias que procuram justiça para os entes queridos, vítimas da brutal violência policial. Defensores dos direitos das crianças garantindo seguro de saúde para elas. Ativistas que lutam pelos que vivem com HIV/AIDS (em organizações como Keep A Child Alive [Mantenha Viva uma criança]) se comprometeram a promover o fim do HIV/AIDS em crianças e suas famílias), as comunidades que abriram suas casas e seus braços  para pessoas que fogem de ​​guerras e perseguições inimagináveis. Van Jones, Leigh Blake, Bono, Tamika Mallory, Carmen Perez, Linda Sausor, “Mum” Carol, Dr. Pasquine Ogunsanya, DeRay McKesson, Alicia Garza, Opal Tometi e Patrice Cullors, Nicole Gonzales, Laverne Cox … Estas são as pessoas corajosas nas quais me inspiro, que me encorajam a gritar mais alto e agir mais. Todos nós, em última análise, guiados pelo mesmo princípio.

Livres e iguais.

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De volta a essa promessa. Que recompensa maior nos estimula a agir quando vemos os direitos humanos ameaçados? Porque todos podemos fazer algo importante. Está escrito aqui no Artigo Primeiro: Todos somos dotados de razão e de consciência.

E estamos todos conectados. Indígenas, a população negra, mulheres, pessoas refugiadas, imigrantes, pessoas LGBTQ, pessoas de todas as crenças, pessoas com deficiência … sabemos o que é ser privado de liberdade. Ser desrespeitado. Ter nosso espírito enfraquecido. Saber que nossas vidas estão em risco. Mas estamos todos juntos nisso. E ainda acredito que juntos somos mais fortes. Lutar por um de nós é lutar por todos nós.

Nós lutamos ao nos manifestarmos. Nós lutamos quando levantamos a voz. Quando escrevemos cartas. Quando assinamos uma petição. Quando marchamos. Quando fazemos uma doação. Quando escrevemos uma música ou um poema. Quando falamos aos nossos representantes. Quando conversamos com alguém que não conhecemos. Quando enfrentamos a autoridade.

Podemos depender um do outro para nos manifestarmos de qualquer maneira?

Com quem podemos contar para apoiar a luta pela liberdade, pela promessa de dignidade e igualdade se não conosco?

Contamos um com o outro. Nossa primeira e duradoura responsabilidade é um para o outro, acima de tudo. Ter consciência. Respeitar nossas vidas mutuamente.

E podemos contar com a Anistia Internacional. Mais de sessenta anos defendendo os direitos humanos universais, expondo a injustiça e galvanizando milhões de pessoas no mundo todo para que se resistam e exijam mudanças positivas.

Anistia, obrigada por erguer esse espelho perante a humanidade – por nos mostrar o reflexo de como somos mais gentis, mais compassivos e capazes de amar do que imaginávamos ser possível. Vocês têm sido incansáveis ao nos lembrar desta verdade, e de que só podemos pôr em prática esta verdade permanecendo unidos e reivindicando os direitos que são nossos.

John Lennon disse: “Um sonho que vocês sonham sozinhos é apenas um sonho. Um sonho que vocês sonham juntos é uma realidade.” Todos estamos sonhando juntos esta noite. Estou honrada e motivada por ser sua Embaixadora de Consciência e estou ao lado de todos vocês.”

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Saiba mais:

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