Soldados do Talibã assassinaram nove homens da etnia hazara depois de assumir o controle da província de Ghazni, no Afeganistão, no mês passado, afirmou a Anistia Internacional em comunicado divulgado nesta quinta (20.08).

Pesquisadores locais falaram com testemunhas oculares que deram relatos angustiantes sobre os assassinatos, ocorridos entre 4 e 6 de julho na vila de Mundarakht, distrito de Malistan. Seis dos homens foram baleados e três foram torturados até a morte, incluindo um homem que foi estrangulado com seu próprio lenço e teve os músculos do braço decepados.

As mortes brutais provavelmente representam uma pequena fração do total de mortes infligidas pelo Talibã até o momento, já que o grupo cortou o serviço de telefonia móvel em muitas das áreas que capturaram recentemente, controlando quais fotos e vídeos são então compartilhados dessas regiões.

“Apelamos para que o Conselho de Segurança da ONU adote uma resolução de emergência exigindo que o Talibã respeite as leis internacionais de direitos humanos e garanta a segurança de todos os afegãos, independentemente de sua origem étnica ou crença religiosa”. Afirmou Agnés Callamard, Secretária geral da Anistia Internacional.

“O Conselho de Direitos Humanos da ONU deve lançar um mecanismo de investigação para documentar, coletar e preservar evidências de crimes em curso e abusos de direitos humanos em todo o Afeganistão. Isso será fundamental para garantir uma tomada de decisão informada pela comunidade internacional e combater a impunidade que continua a alimentar crimes graves no país.” finalizou Callamard.

“A brutalidade a sangue-frio dessas mortes é uma lembrança do histórico do Talibã e um indicador horripilante do que o governo do Talibã pode trazer. Esses assassinatos seletivos são a prova de que as minorias étnicas e religiosas continuam sob risco especial sob o domínio do Talibã no Afeganistão.”  Agnés Callamard

Tortura e assassinato no contexto de um conflito armado são violações das Convenções de Genebra e constituem crimes de guerra nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que já está considerando crimes cometidos em relação ao conflito no Afeganistão.

 

Torturado e assassinado

A Anistia Internacional entrevistou testemunhas oculares e analisou as provas fotográficas das consequências dos assassinatos na aldeia de Mundarakht.

Em 3 de julho de 2021, os combates se intensificaram na província de Ghazni entre as forças do governo afegão e o Talibã. Os moradores disseram à Anistia Internacional que fugiram para as montanhas, para os tradicionais “iloks”, pastos de verão, onde têm abrigos básicos.

Havia pouca comida para as 30 famílias que fugiram. Na manhã seguinte, 4 de julho, cinco homens e quatro mulheres voltaram à aldeia para buscar suprimentos. Ao retornar, eles descobriram que suas casas haviam sido saqueadas e que os combatentes do Talibã estavam à espreita esperando por eles.

Um homem, Wahed Qaraman, de 45 anos, foi levado de sua casa por soldados do Talibã que quebraram suas pernas e braços, atiraram em sua perna direita, arrancaram seus cabelos e bateram em seu rosto com um objeto contundente.

Outro homem, Jaffar Rahimi, de 63 anos, foi severamente espancado e acusado de trabalhar para o governo afegão, depois que encontraram dinheiro em seu bolso. Os soldados o estrangularam até a morte com seu próprio lenço. Três pessoas envolvidas no enterro de Rahimi disseram que seu corpo estava coberto de hematomas e que os músculos de seus braços foram decepados.

Sayed Abdul Hakim, 40, foi levado de sua casa, espancado com varas e coronhas de rifle, teve os braços amarrados e levou dois tiros na perna e dois no peito. Seu corpo foi então abandonado próximo a um riacho.

Uma testemunha ocular, que ajudou nos enterros, disse à Anistia Internacional: “Perguntamos ao Talibã por que fizeram isso e eles nos disseram: ‘Quando é a hora do conflito, todo mundo morre, não importa se você tem armas ou não. É o tempo de guerra. ‘”

Execuções cruéis

Durante a onda de assassinatos de dois dias, três outros homens – Ali Jan Tata (65), Zia Faqeer Shah (23) e Ghulam Rasool Reza (53) – foram emboscados e executados ao deixarem os iloks e tentaram passar por Mundarakht para chegar a suas casas no vilarejo próximo de Wuli.

Em Mundarakht, eles foram parados em um posto de controle do Talibã, onde foram executados. Ali Jan Tata levou um tiro no peito e Rasool no pescoço. De acordo com testemunhas, o peito de Zia Faqeer Shah estava crivado de balas. Os corpos dos homens foram jogados no riacho ao lado de Sayed Abdul Hakim.

Mais três homens também foram cruelmente mortos em sua aldeia natal. Testemunhas disseram à Anistia Internacional que Sayeed Ahmad, 75, insistiu que o Talibã não o faria mal porque era um homem idoso e que pretendia regressar para alimentar o seu gado. Ele foi executado com duas balas no peito e outra na lateral do corpo.

Zia Marefat, 28, sofria de depressão e raramente saía de sua casa em Mundarakht. Ele se recusou a sair depois que o Talibã assumiu o controle da vila em 3 de julho, mas acabou fazendo isso após ser motivado por sua mãe e outros familiares a fugir para sua própria segurança. No entanto, enquanto caminhava sozinho para o ilok, ele foi capturado pelo Talibã, que o matou com um tiro na têmpora.

Karim Bakhsh Karimi, 45, que tinha um problema de saúde mental não diagnosticado, não fugiu com o resto dos moradores. Ele também foi baleado, como um tiro na cabeça.

Um pôster memorial de Ghulam Rasool Reza, 53, um dos nove homens da etnia Hazara mortos pelo Talibã no distrito de Malistan, na província de Ghazni, em julho de 2021.

Contexto

O Talibã assumiu o poder no Afeganistão após o colapso do governo nos últimos dias. A Anistia Internacional apelou à proteção de milhares de afegãos em sério risco de represálias pelo grupo, desde acadêmicos até jornalistas, ativistas da sociedade civil e mulheres defensoras dos direitos humanos.

Mais Publicaçõess