As falhas da Venezuela para investigar de forma eficaz e levar à justiça os responsáveis pela morte de 43 pessoas, ferimentos e tortura de outras centenas durante os protestos em 2014 está dando um sinal verde para mais abusos e violência, diz a Anistia Internacional em um novo relatório divulgado hoje (24).

“As faces da impunidade: um ano após os protestos, vítimas ainda esperam por justiça” examina as histórias daqueles que morreram ou foram arbitrariamente presos e torturados durante e após os protestos que abalaram o país entre fevereiro e julho de 2014. Entre os mortos e feridos estavam manifestantes, transeuntes e membros das forças de segurança. Alguns ainda estão atrás das grades, aguardando julgamento.

“As pessoas na Venezuela devem ter o direito de protestar pacificamente sem medo de perder suas vidas ou serem detidas ilegalmente”, disse Erika Guevara Rosas, Diretora de Américas da Anistia Internacional. “Cada dia que se passa sem os abusos de direitos humanos ocorridos durante os protestos é mais um dia de injustiça com as vítimas e suas famílias. Isto tem que parar”, completa.

Durante os protestos, 3.351 pessoas foram detidas de forma arbitrária. A maioria foi libertada sem acusações. No entanto, 1.404 pessoas estão enfrentando processos e 25 ainda estão na prisão aguardando julgamento.

A Anistia Internacional teve acesso aos arquivos de cinco pessoas que estão detidas e concluiu que eles foram presos arbitrariamente. Dois foram recentemente liberados, mas aguardam julgamento.

As evidências mostram que membros da polícia permitiram que grupos armados pró-governo cometessem abusos com manifestantes e transeuntes, e até mesmo entrassem ilegalmente nas casas das pessoas, inclusive portando armas de fogo.

Guillermo Sánchez morreu depois de ter sido espancado e baleado por um grupo armado pró-governo em La Isabelica (Estado de Valencia), em março de 2014. Sua esposa, Ghina Rodríguez, e seus dois filhos, tiveram que fugir do país depois de terem recebido ameaças de morte por exigir justiça. Eles ainda estão à espera de que os responsáveis pela morte de Guillermo sejam responsabilizados.

Os parentes de outras vítimas e seus advogados também relataram terem sido perseguidos e intimidados por causa de suas campanhas para obter justiça e reparação. Defensores dos direitos humanos que relataram abusos graves também têm sido alvo de ataques.

O uso excessivo da força contra os manifestantes e detenções arbitrárias continuaram depois do fim dos protestos. Nas últimas semanas, um menino de 14 anos foi morto pela polícia em Táchira, em 24 de fevereiro. O prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foi preso em 19 de fevereiro, em circunstâncias duvidosas.

Ao invés de abordar esta questão de forma clara, o Ministério da Defesa emitiu uma Resolução no fim de janeiro de 2015 permitindo que todos os setores das Forças Armadas sejam envolvidos em operações de ordem pública, incluindo o policiamento de protestos. Eles também receberam autorização para a utilização de armas de fogo nestas operações.

“O uso desnecessário e desproporcional da força é exatamente o que agravou a onda de acontecimentos do ano passado. Em vez de incentivar a ida do exército para as ruas, as autoridades venezuelanas devem mandar uma mensagem inequívoca de que a violência não será tolerada”, argumenta Érica Guevara.

Mortos e feridos durante os protestos

O relatório da Anistia Internacional documenta eventos de fevereiro de 2014, quando milhares de manifestantes anti-governo foram às ruas, resultando na morte de 43 pessoas, incluindo oito agentes da lei, e o ferimento de 878 pessoas, incluindo cerca de 300 das forças de segurança.

O documento reúne testemunhos de vítimas com provas fotográficas, provando que as forças de segurança bateram, torturaram e atiraram contra manifestantes.

A tortura e outros maus-tratos durante a detenção

A Anistia Internacional documentou dezenas de casos de detentos que foram vítimas de tortura e outros maus-tratos. Prisioneiros foram espancados, queimados, abusados sexualmente, asfixiados, eletrocutados e ameaçados de morte enquanto estavam sob custódia.

Wuaddy Moreno estava andando de volta para casa depois de uma festa de aniversário quando foi preso em 27 de fevereiro de 2014, sob suspeita de ter participado nos protestos.

Os agentes da polícia o espancaram e queimaram em praça pública em La Grita, estado de Táchira, antes de levá-lo para a delegacia e depois liberá-lo sem acusações. Os policiais responsáveis ainda estão em serviço. Eles intimidaram e assediaram Wuaddy e sua família depois que eles clamaram por justiça.

Milhares detidos

Entre aqueles que ainda estão atrás das grades arbitrariamente estão Leopoldo López, líder da oposição, Daniel Ceballos, prefeito de San Cristóbal, no estado de Táchira, e Rosmit Mantilla, ativista LGBTI. Todos os três são do partido de oposição Voluntad Popular (Vontade Popular). Todos eles deveriam ser liberados.

Duas pessoas que tinham sido arbitrariamente detidas recentemente: o advogado Marcelo Crovato foi libertado em 25 de fevereiro e colocado sob prisão domiciliar; e Christian Holdack foi libertado sob fiança em 17 de março.

Investigações

Na maioria dos casos, os responsáveis pelas violações de direitos não enfrentaram a justiça.

O Ministério Público investigou 238 denúncias de violações de direitos humanos, mas apenas 13 resultaram em processos.

Além disso, de acordo com o Procurador-Geral, 30 policiais foram acusados de conexão com as mortes de manifestantes, uso excessivo da força, tortura e outros maus-tratos. Até agora, três policiais foram condenados por maus-tratos e 14 oficiais foram detidos. Um mandado de prisão foi emitido para outro oficial, mas não foi cumprido ainda. Aos demais foi concedida liberdade condicional.

Saiba mais

Leia o relatório completo: Os rostos da impunidade – Um ano após protestos, as vítimas ainda esperam justiça