RIO DE JANEIRO, 14.03.2020 –  Dois anos após o assassinato da defensora de direitos humanos e vereadora em exercício no Rio de Janeiro Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, o crime continua sem solução, sendo um exemplo de impunidade no que se refere a violências e violações contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. Em todo o país e no mundo, a data será marcada por atividades que reforçam a cobrança por respostas às perguntas que acompanham o caso desde o primeiro dia: quem matou, quem mandou matar Marielle, e por quê?

A prisão preventiva de dois acusados de serem os executores de Marielle e Anderson, em 12 de março de 2019, e a decisão sobre leva-los ao tribunal do júri parecem ter sido passos importantes nas investigações, mas, desde então, pouco parece ter avançado para elucidar todas as circunstâncias dos assassinatos, os mandantes e as motivações do crime.

Na última sexta-feira, dia 13, a Anistia Internacional se reuniu com o governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e com procurador-geral de Justiça do Estado, Eduardo Gussem. Na reunião com o governador, estavam responsáveis diretos pela investigação que garantiram a seriedade, prosseguimento e independência dos trabalhos e se comprometeram a abrir um canal de diálogo direto com a Anistia Internacional e a família de Marielle Franco. Na reunião com o Ministério Público, o foco foi a transparência das investigações. Apresentamos uma série de perguntas e ouvimos o compromisso com a resolução do caso. Logo após o encontro, o MPRJ emitiu uma nota em que respondia com clareza a algumas perguntas que apresentamos. Também houve o compromisso de diálogo aberto e constante com a Anistia Internacional

“Dois anos é tempo demais de espera. A falta de resultados concretos na identificação dos autores intelectuais e das circunstâncias do homicídio que marcou este último ano de investigação é indício de que no Brasil defensoras e defensores de direitos humanos podem ser mortos e que esses crimes ficam impunes. O Brasil precisa dar este passo e enviar um recado à comunidade global de que não tolera esse, nem qualquer outro tipo de violência contra as pessoas que se mobilizam pela construção de sociedades mais justas, como Marielle Franco. Sabemos que as investigações correm sob sigilo necessário, mas transparência não é a mesma coisa que quebra de sigilo. As famílias de Marielle e Anderson e toda a sociedade têm o direito de saber o que tem sido feito e o quanto se avançou nas investigações. Vamos manter este diálogo constante”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

“Não tem como se furtar de pedir, lutar e clamar por justiça por Marielle, que atuava para construir uma vida melhor para as pessoas. E não dá para ficar parada, sem ir às autoridades competentes, ir a todos os lugares pedir justiça para saber quem e por que mandaram matar Marielle Franco. Vamos continuar com todos os apoios que temos recebido pelo mundo porque hoje ela é um símbolo de resistência para todos, principalmente para as mulheres”, afirma Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco e diretora do Instituto Marielle Franco.

Monica Benicio, viúva da vereadora assassinada, fala em privilégios sobre quais vidas importam no Brasil.

“Dois anos de muita dor e muita luta. Fazer o luto virar luta foi não só uma maneira seguir viva sem minha companheira, mas também compreender que justiça para o seu assassinato é honrar toda a sua luta como defensora de direitos humanos para que nada parecido com a bárbara violência contra ela se repita com ninguém. A mensagem que o Estado Brasileiro passa ao mundo é de que algumas vidas importam mais do que outras e que isso pode voltar a se repetir porque há impunidade para aqueles que matam mulheres, negros, LGBTQIs, pobres. Quantas Marielles mais precisarão morrer ainda no Brasil?”, questiona ela.

O último ano também foi marcado pela criação e organização do Instituto Marielle Franco. Com objetivo de lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes de Marielle, a organização foi criada pela família e durante este mês de março está realizando a sua primeira ação financiada coletivamente: a Casa Marielle. O espaço, que fica no Largo de São Francisco da Prainha, território referência para a cultura negra no Rio de Janeiro, é temporário, e vem abrigando encontros e rodas de conversa sobre os próximos passos da luta por justiça para Marielle. A ideia é que funcione até o final do mês, com uma exposição que conta a vida da vereadora das suas “raízes” até se tornar “gigante”. O Instituto também tem outros projetos que pretende financiar coletivamente como a Escola Marielles, o Centro de Memória e Ancestralidade permanente e uma plataforma sobre o legado da Marielle.

O sábado, dia 14 de março, será marcado por atividades de mobilização em defesa da memória de Marielle e Anderson, e também pela reivindicação do direito à verdade e justiça, ainda que algumas atividades tenham sido alteradas devido à crise do novo Coronavírus.

O Instituto Marielle Franco, que estava se programando para realizar um dia de ações na região portuária, incluindo um ato ecumênico, uma aula pública e shows com artistas de todo o Brasil, teve que alterar a programação para a realização de ações descentralizadas de mobilização: o Amanhecer por Marielle e Anderson. O objetivo é mostrar que mesmo depois de dois anos a mobilização e a indignação por Marielle segue crescendo. Mais de 60 pontos de ação já foram cadastrados em todo o mundo. O mapa dos pontos e a agenda completa está no site.

A Anistia Internacional também teve que adequar sua ação que inicialmente havia previsto 14 horas de mobilização por Marielle, devido à crise do coronavírus. Mas manteve a decisão de caminhar por alguns pontos importantes do Centro, Zona Sul e Zona Norte da cidade com ativistas vestidos de pontos de interrogação de onde saem faixas em que se lêas principais perguntas que perpassam o caso: “Quem mandou matar Marielle, e por quê? Além disso, dez mil adesivos exigindo justiça serão distribuídos por ativistas da Anistia em dez cidades do país: São Paulo, Londrina (PR), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Belém (PA), Brasília (DF), São João da Boa Vista (SP), Campinas (SP) e Dourados (MS).

“Queremos amplificar ainda mais as vozes dessas 983 mil pessoas que, nesses dois anos, se somaram à Anistia para pressionar as autoridades por justiça. Queremos que mais pessoas compreendam a importância do que Marielle fez por aqueles que mais precisam no Rio de Janeiro e no Brasil, e por seu compromisso com a defesa dos direitos humanos. Marielle não era melhor do que ninguém e não gostaria de ser tratada de forma especial. Mas quando uma defensora, um defensor de direitos humanos é silenciada/o, o direito de todas as pessoas está ameaçado”, explica Jurema.

No relatório “Direitos Humanos nas Américas: retrospectiva 2019”, lançado em 27 de fevereiro, a Anistia Internacional apontou que a América Latina é o lugar mais perigoso do mundo para defensores e defensoras de direitos humanos. No último ano, o Brasil assistiu, em especial, por parte de autoridades públicas discursos contrários aos direitos humanos se traduzirem em medidas administrativas e legislativas, com impactos concretos na limitação e na perda de direitos fundamentais da população.

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