Com o grande número de casos antigos de violações de direito internacional reabertos em 2009, o informe 2010 da Anistia Internacional apela pelo fim da impunidade, por memória, verdade e justiça. A simples existência do Tribunal Penal Internacional (TPI), criado em 1998, fez com que a questão da prestação de contas merecesse uma atenção mais cuidadosa.
Essas investigações e processos conseguiram transformar a maneira com que os governos e o público em geral percebem os crimes de direito internacional. Cada vez mais, esses casos são vistos como realmente são: como crimes graves que têm de ser investigados e processados, e não como questões políticas a serem resolvidas por meio de canais diplomáticos.
Por toda a América Latina, tribunais e governos nacionais reabriram investigações sobre crimes que, há muito, se ocultavam por trás de leis de anistia. Isto mostra que, mesmo tendo se passado décadas desde aqueles eventos, a sociedade civil ainda luta para vencer as barreiras que impedem a verdade, justiça e reparação.
Apesar de, no fim de 2009, 110 países terem ratificado o Estatuto de Roma do TPI, entre os integrantes do G20 somente 12 o fizeram. A falta de disposição dos poderosos para aplicar a si mesmos e a seus aliados políticos os mesmos padrões que pregam aos demais dá margem a que outros países façam o mesmo e justifiquem suas políticas de dois pesos e duas medidas, colocando, muitas vezes, uma noção equivocada de ‘solidariedade regional’ acima da solidariedade com as vítimas.
Prestação de contas
Em dezembro de 2009, completaram-se 25 anos da catástrofe que foi o vazamento de produtos químicos mortais de uma fábrica de pesticidas da Union Carbide em Bhopal, na Índia. Continua sendo muito raro que as corporações tenham de realmente prestar contas de seus atos. Tentativas de fazer com que a justiça seja atendida são frustradas por sistemas judiciais ineficazes, pela falta de acesso a informações, pela interferência corporativa nos sistemas jurídicos e reguladores, pela corrupção e pelas poderosas alianças que se engendram entre os Estados e as corporações.
Contudo, mesmo frente aos enormes desafios, indivíduos e comunidades afetados por companhias transnacionais estão movendo uma quantidade cada vez maior de ações civis, como parte de um esforço para cobrar responsabilidade das corporações e para obter algum tipo de reparação. Em 2009, em uma importante ação civil no Reino Unido, a companhia de comércio de petróleo Trafigura acertou um acordo extrajudicial no valor de 45 milhões de dólares com cerca de 30 mil pessoas afetadas pelo despejo de lixo tóxico em Abidjan, na Costa do Marfim.
O próximo plano global
Tão próximos da reunião, em setembro de 2010, nas Nações Unidas para avaliar o andamento das Metas de Desenvolvimento do Milênio, estamos ainda muito distantes das metas estabelecidas para 2015. A prestação de contas seria aprimorada se as iniciativas para atingir as metas do milênio passassem, verdadeiramente, a levar em consideração os pontos de vista de quem vive na pobreza. Todo indivíduo tem o direito de participar e de ter livre acesso às informações sobre decisões que afetem sua vida.
Ao entrarmos na segunda década deste milênio, a Anistia Internacional trabalha lado a lado com outros parceiros desse movimento mundial, procurando reafirmar o valor universal dos direitos humanos, para mostrar que não podem nem ser divididos nem parcelados, e o quanto são diretamente importantes para que as pessoas usufruam plenamente da experiência da vida. Assim, renovamos nosso compromisso com uma visão dos direitos humanos em que cada indivíduo é um agente de mudança, que tanto tem direitos quanto responsabilidades. Todos temos o direito de exigir, do Estado e da sociedade, o respeito, a proteção e a realização de direitos, mas temos também o dever de respeitar os direitos dos outros e de sermos solidários com os outros a fim de que a promessa da Declaração Universal dos Direitos Humanos seja cumprida.