Falência das políticas de segurança pública, acirramento da violência no campo, retrocessos e ataques a direitos fundamentais já conquistados. Em 2016, a crise política nacional impactou diretamente os direitos humanos no Brasil e deixou um sinal de alerta em relação ao que está por vir. É o que revela o mais novo relatório da Anistia Internacional “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/2017”, que será lançado no dia 22 de fevereiro.

O documento traz um panorama das principais violações e avanços no campo dos direitos humanos em 159 países. A versão brasileira traz a íntegra dos cenários regionais e uma seleção de 55 países. O capítulo brasileiro destaca graves violações no que diz respeito ao direito à vida: a violência no campo e na cidade, que afeta prioritariamente determinados grupos como jovens negros e lideranças rurais. A organização avalia que a crise política, econômica e institucional vivida no país no ano passado paralisou os debates sobre políticas públicas de promoção de direitos humanos, contribuindo para o avanço de agendas conservadoras, retrocessos e aumento das violações em determinadas áreas.

“O Estado brasileiro não pode se omitir de sua responsabilidade de propor e implementar políticas públicas que promovam e garantam os direitos humanos”, comenta Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil.

“O que vimos em 2016 foi o desmantelamento de estruturas institucionais e programas que garantiam a proteção a direitos previamente conquistados e a omissão do Estado em relação a temas críticos, como a segurança pública. Nenhuma crise – política, econômica ou institucional – pode ser usada como justificativa para a perda de direitos”, completa.

Para a Anistia Internacional, o Estado brasileiro tem falhado duplamente em seu papel de garantir o direito à vida de todas as pessoas. De um lado, mais uma vez, não apresentou um plano consistente para redução e prevenção de homicídios falhando na sua responsabilidade de proteger o direito à vida. E, de outro lado, porque os agentes do Estado, especificamente a polícia em serviço, são responsáveis por milhares de homicídios todos os anos violando diretamente os direitos de moradores de favelas e periferias.

A maior parte das vítimas de homicídios em geral e de homicídios pela polícia são os jovens negros do sexo masculino. Mas são principalmente as mulheres – mães, irmãs, companheiras das vítimas- que se mobilizam por justiça para que os casos sejam investigados e os autores responsabilizados.

“Seja no Brasil ou em outros países das Américas, vemos que essa situação se repete. As mulheres são as protagonistas na luta por justiça pelos homicídios praticados por agentes da segurança pública. Essa mobilização, no entanto, muitas vezes resulta em ameaças e ataques contra essas mulheres por parte dos policiais envolvidos nos homicídios, em uma tentativa de intimidar e impedir que a justiça seja feita”, destaca Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.

Para a organização, a mobilização é necessária para que se alcance justiça, a igualdade e a garantia de direitos.

“A mobilização é o caminho no Brasil e no mundo para resistir às ameaças de retrocesso ou ataques aos direitos humanos. São pessoas comuns como eu e você que têm o poder de chamar a atenção e canalizar a indignação em ações concretas que nos ajudam a transformar o mundo em um lugar onde todos e todas têm acesso a seus direitos”, explica Jurema.

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Confira alguns dos destaques do capítulo brasileiro:

  • Homicídios – O número de homicídios no Brasil permaneceu alto, beirando a marca de 60 mil por ano (Mapa da Violência). Mais de 70% desses homicídios são por arma de fogo e a principal vítima é o jovem negro do sexo masculino.
  • Protestos – A polícia, em diversos estados, manteve o padrão já identificado anteriormente, de repressão violenta a protestos, fazendo uso desnecessário e excessivo da força e das chamadas armas menos letais, detendo manifestantes arbitrariamente e deixando diversas pessoas feridas.
  • Homicídios pela polícia e execuções extrajudiciais – Homicídios cometidos pela polícia em serviço continuaram altos. No estado do Rio de Janeiro, um dos poucos estados que compila e divulga os dados regularmente, foram mais de 800 pessoas mortas pela polícia em 2016, um aumento significativo em relação ao ano anterior, que consolida a tendência de aumento que começou em 2014. A não investigação e responsabilização dos homicídios cometidos por policiais permaneceu a regra, o que alimenta o ciclo de violência policial e nega o direito das famílias à justiça.
  • Jogos Olímpicos Rio 2016 – A realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro resultou em um legado de militarização da segurança pública, aumento nos homicídios pela polícia e repressão aos protestos na cidade. A aprovação da Lei Antiterrorismo foi uma herança perigosa para o país, pois poderá ser usada no futuro para criminalizar o protesto social.
  • Sistema penitenciário – Superlotação, tortura e maus-tratos continuam sendo a regra em prisões brasileiras, o que culminou em rebeliões. É gravíssima a omissão do governo em relação à crise, mesmo após repetidas denúncias de instituições e organizações nacionais e internacionais, como o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura e o relator especial da ONU para tortura e maus-tratos.
  • Violência no campo – Pelo menos 47 defensores de direitos humanos no campo e lideranças rurais foram mortos de janeiro a setembro de 2016 em decorrência de conflitos por terra e recursos naturais (Comissão Pastoral da Terra). Populações tradicionais, como indígenas e quilombolas, enfrentam constantemente ameaças, ataques e até assassinatos em sua luta pelo direito à terra, deixando o Brasil no topo da lista de países onde mais se mata defensores e defensoras dos direitos humanos no campo.
  • Pessoas refugiadas e migrantes – O Brasil falhou em dedicar recursos e esforços para solucionar demandas de pessoas refugiadas. Por outro lado, avançou na aprovação da Nova Lei de Migração na Câmara dos Deputados.
  • Violência contra a mulher – Estudos mostraram que houve um aumento da violência letal contra a mulher na última década. No ano passado, houve episódios brutais de estupros coletivos.
  • Violações dos direitos da criança e do adolescente – Houve denúncias de tortura e maus tratos dentro das unidades do sistema socioeducativo, bem como de condições desumanas e degradantes que resultaram em morte. Até o fim do ano, a proposta de redução da maioridade penal não tinha sido votada no Senado.
  • Ameaças legislativas – Há uma série de projetos de leis que colocam em risco direitos já conquistados, entre elas, a PEC 55 – que tramita no Senado – e atinge direitos econômicos e sociais.

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